perDOAR
“Senhor, quantas vezes devo perdoar,
se meu irmão pecar contra mim?” (Mt 18, 21)
Quantas vezes esta pergunta vem às nossas mentes? Quantas vezes já ouvimos alguém dizer: ‘Posso até perdoar, mas esquecer, nunca’? Ao cairmos na armadilha destas palavras, denunciamos não saber ainda o que é o perdão.
Contamos sempre com a misericórdia de Deus, mas ficamos paralisados quando nos é pedido para perdoar o nosso irmão não ‘até sete vezes, mas até setenta vezes sete.’ (cf. Mt 18, 22). Fizeram logo a conta de cabeça? Pensem em 490 abdominais ou flexões por cada pessoa que nos fez mal. Só de pensar em fazê-los já me dói. Se por vezes nos custa perdoar uma vez, imaginem 490.
Paramos para pensar nas 490 vezes em que alguém é chamado a perdoar uma única das nossas ofensas? Raramente damos valor ao perdão que nos dão os outros e demasiadas vezes damos o perdão de Deus como garantido. Estamos sempre mais focados no ‘argueiro nos olhos dos nossos irmãos do que do que na trave nos nossos’ (cf. Mt 7, 3). Serão as dívidas dos outros mais fáceis de contar ou serão as punhaladas apenas mais fáceis de sentir? A verdade é que quando alguém nos ofende, rouba-nos a paz e a nossa noção de justiça. Sentimo-nos feridos e as feridas doem. Às vezes doem mesmo muito. O chão parece abrir-se sob os nossos pés e lá vamos nós em queda livre sem saber como travar. Quando nos cortamos ou esfolamos um joelho, sabemos perfeitamente o que fazer: desinfetar a ferida e deixar que o nosso corpo faça o que foi criado para fazer, ou seja, cicatrizar e renovar. Sabemos perfeitamente que se tirarmos a crosta que se forma sobre a ferida antes da sua hora, reabrimo-la, voltamos a sangrar, temos novamente de a desinfetar e esperar que cicatrize.
Precisamos urgentemente perceber que as feridas que nos fazem passam pelo mesmo processo de cicatrização. A grande dificuldade por vezes é compreender e, sobretudo, aceitar que o perdão não vem de nós e sim de Deus. É Deus quem “desinfeta” as nossas feridas, purificando a nossa dor. Só Deus é capaz de converter a mágoa, a raiva, o rancor e até mesmo o ódio que nos cega e nos aprisiona fora da lógica da misericórdia de Deus.
Sempre que rezamos a oração que Jesus nos veio ensinar dizemos com confiança ‘perdoai as nossas ofensas’, mas engasgo-me sempre ao dizer ‘assim como nós perdoamos os que nos têm ofendido’. Engasgo-me por saber que nem sempre sou capaz de o fazer. Sei que tenho feridas que ainda não entreguei a Deus e que até o fazer, estarei apenas a arrancar crostas e a impedir que a graça de Deus opere em mim. Porque o verdadeiro perdão é isso mesmo, uma graça, mas temos de ser nós a pedi-la, temos de ser nós a permitir que Deus venha ao nosso encontro para nos devolver a paz e recriar-nos no seu amor.
O perdão cristão não é um simples ajustar de contas numa balança subjetiva e arbitrária. ‘O amor é maior do que a justiça porque justiça é dar ao outro o que é dele, mas amor é dar ao outro o que é nosso’ (Ratzinger). O perdão cristão começou na cruz e é a salvação nela oferecida que nos permite verdadeiramente compreender que ‘errar é humano, perdoar, divino. (Alexander Pope).