Conto: O silêncio do bosque

Conto 15 julho 2021  •  Tempo de Leitura: 5

Era uma vez um homem que se sentia muito cansado do seu trabalho, assoberbado com mil e uma preocupações e farto do ritmo frenético e do barulho medonho da cidade. Como se sentia esgotado física e emocionalmente, decidiu ir acampar uns dias para um bosque junto a um lago à procura de algum sossego. Ali conseguiria respirar ar puro, descansar e não ter a cabeça cheia de coisas. 

 

No entanto, o homem rapidamente se cansou de não fazer nada e, ao ver uma velhinha ao longe a passear, foi ter com ela e logo lhe perguntou se, apesar da tranquilidade e paz que ali existia, não ficava incomodada com tanto silêncio. Ela respondeu:

 

- Meu filho, a palavra é prata e o silêncio é ouro. É melhor sermos senhores do nosso silêncio do que escravos das nossas palavras. Quem fala menos, ouve melhor e, assim, aprende mais. Muitas vezes, são as desilusões da vida que nos ensinam a arte do silêncio. Olha, se as palavras não forem mais belas, nobres e dignas do que o silêncio, então é melhor ficar calado. Existe muita sabedoria escondida na ausência de palavras pois o silêncio também fala e de que maneira. 

 

Como a velhinha viu que o homem ficara a pensar nas suas palavras, disse-lhe que olhasse para a água do lago e perguntou-lhe o que via. Como estavam mesmo ao lado de um riacho que ali vinha desaguar, as águas estavam agitadas e o homem respondeu-lhe que não conseguia ver nada. De seguida, a velhinha convidou-o a irem para mais longe e aí o homem, todo satisfeito, disse que conseguia ver-se a si próprio espelhado na água pois ela ali estava mais serena. Então, a velhinha, disse-lhe:

 

- Essa é a beleza e a fecundidade do silêncio já que permite ver-nos a nós mesmos. Sabes, o silêncio fala-nos à consciência, diz-nos muitas verdades e só temos de estar muito atentos pois é um mestre cheio de sabedoria. Às vezes, o silêncio diz tudo o que precisamos de ouvir e que o ruído das palavras nos impede de escutar. Mais vale um silêncio certo do que uma palavra errada já que as palavras erradas costumam magoar por muito tempo, mas o silêncio certo pode ser a resposta a muitas perguntas. Enquanto os sábios falam pouco e dizem muito, os ignorantes falam muito e dizem pouco. 

 

Então, o homem disse-lhe que, na verdade, lhe custava muito estar em silêncio, mas, naquele momento, se fizesse um esforço, conseguia fechar os olhos e ouvir os pássaros a chilrear e as cigarras a cantar, a água do riacho a contornar as pedras para chegar ao lago, o zumbido das abelhas a pular de flor em flor e o vento a abanar os ramos e as folhas das árvores. Mas a velhinha respondeu-lhe:

 

- Filho, o silêncio é muito mais do que isso. É necessário não ter pressa e acolher e extasiar-se com a vida. Mais do que algo físico, o silêncio é uma atitude e um estado de espírito, mesmo que haja ruídos. O silêncio não é algo que tu possuis. Tu é que és possuído por ele e é essa a sua grandeza e o que te faz ser sábio. As árvores, as flores e as plantas crescem em silêncio. De igual forma, as estrelas, o sol e a lua movem-se sem fazer barulho. Na verdade, tudo o que é importante acontece em silêncio. Não existe nada mais parecido com Deus do que o silêncio. Ele é a oração dos sábios e o santuário da consciência. É preciso fazer silêncio para ouvir a voz de Deus.

 

O homem respondeu:

 

- Realmente, Deus manifesta-se no silêncio. Uma árvore que cai na floresta faz mais barulho do que centenas de árvores que ali crescem silenciosamente. Hoje fala-se muito e faz-se muito barulho, mas o mais importante da vida reside naquilo que não se vê com os olhos nem se ouve com os ouvidos. O ser humano nunca precisou tanto do silêncio como nos nossos tempos. O silêncio não é sinónimo do vazio e do nada. O silêncio é bom, faz bem e torna-nos capazes de ser e amadurecer.

 

A velhinha sorriu e disse-lhe que ele já não precisava mais de si pois conseguira fazer a maior descoberta da sua vida. O silêncio era o argumento mais difícil de refutar, a melhor companhia para todos e o amigo que jamais desiludiria. Então, o homem despediu-se com lágrimas nos olhos e disse-lhe que já podia voltar à cidade.

Paulo Costa

Conto

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