Conto: O segredo da felicidade

Conto 15 dezembro 2020  •  Tempo de Leitura: 10

Muitos era aqueles que todos os dias se deslocavam à casa do ancião para desabafar e procurar algum consolo para as tribulações e adversidades da vida. Encurralada no meio dos arranha-céus da cidade, a velha casinha de madeira rodeada de árvores e flores era um verdadeiro paraíso e o ancião a todos recebia com simpatia e benevolência.

 

Mais do que as suas sábias palavras, as pessoas admiravam a sua paciência e o seu silêncio ao escutá-las. O ancião parecia ter todo o tempo do mundo e quando estava com cada pessoa era como se não existisse mais ninguém em todo o universo, tal a maneira como olhava, sorria e chorava ao embrenhar-se nos dramas de cada um.

 

Um dia um jovem foi à casa do ancião e, como todas as pessoas que lá iam, foi recebido com a tradicional afabilidade e ternura. O jovem disse-lhe logo que estava ali contrariado e que só lá fora porque a avó quase o tinha obrigado com o argumento de que só ele lhe poderia valer. Então, o ancião, sorrindo e pondo-lhe uma mão no ombro, disse-lhe que fossem sentar-se à sombra de uma árvore num banco do jardim.

 

Para não perder tempo, o jovem começou logo a desfiar a sua vida, dizendo-lhe que o pai era muito rico, tinha sucesso nos negócios e que trabalhava na sua empresa. Disse que dinheiro nunca fora coisa que lhe faltasse e acrescentou que tinha saúde e uma família que se dava muito bem e era muito sua amiga. O problema era que a sua vida não tinha sentido, não encontrava entusiasmo nenhum com nada nem com ninguém e que tinha mergulhado num mundo de sensações e dependências caleidoscópicas que estavam a conduzi-lo ao abismo e que, mais cedo ou mais tarde, o levariam à morte.

 

O ancião, depois de o ter escutado com atenção e complacência, convidou o jovem a caminhar um pouco com ele pelo jardim e, após lhe ter apresentado o seu velho gato, foi-lhe mostrando e falando das suas inúmeras plantas exóticas e dos peixinhos do seu pequeno lago. De seguida, pediu-lhe que olhasse para os prédios altos que rodeavam o quintal da sua casa e que quase o impediam de ver o que quer que fosse e disse-lhe que não tinha televisão nem computador. Confessou-lhe que contemplar o sol, as nuvens e os pássaros naquela nesga de céu e conversar com as pessoas que o visitavam era a coisa mais maravilhosa da sua vida.

 

De seguida, o ancião contou-lhe que na sua juventude tinha pensado várias vezes em suicidar-se pois, apesar de ter tudo e mais alguma coisa, era como se não tivesse nada nem ninguém. E segredou-lhe que um dia entrara numa igreja e vendo uma Bíblia em cima de um banco, abriu-a ao acaso e apareceu-lhe um texto que se chamava ‘As Bem-aventuranças’ e achou-o original e fascinante.

 

Então, o ancião, que sabia o trecho bíblico de memória, declamou: ‘Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os que choram, porque serão consolados. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam’.

 

Como o jovem não estava a perceber o alcance daquele texto tão estranho e paradoxal, o ancião disse-lhe que o autor era Jesus Cristo e que, na sua opinião, fora o homem mais extraordinário que existira no planeta. Confidenciou-lhe, de seguida, que não houvera jamais alguém que respeitasse e amasse tanto o ser humano como ele e que a sua particularidade era que convidava todas as pessoas a serem felizes, desafiando-as a realizarem-se de um modo bem diferente do habitual. Jesus falava da relatividade do ter, do poder e do prazer e defendia que a felicidade não era, de forma alguma, encerrar-se egoisticamente no efémero, no transitório e no perecível. Era tudo o contrário.

 

Como o jovem parecia estar cada vez mais confuso, o ancião decidiu ir fazer um chá e foi-lhe dizendo que a verdadeira felicidade consistia em abraçar o que o mundo repudiava e renunciar ao que o mundo aplaudia. Bem-aventurado era o pobre de espírito e não a pessoa autossuficiente, arrogante e soberba. Bem-aventurado era o que chorava e não aquele que era insensível, presunçoso e convencido. Bem-aventurado era o manso, e não o agressivo, o conflituoso e o arruaceiro. Bem-aventurado era o pacificador, e não aquele que era colérico, insultuoso e provocador. Bem-aventurado era o puro de coração e não aquele que era imoral, obsceno e indecente. Bem-aventurado era o justo e não aquele que era desonesto, iníquo e parcial.

 

O jovem parecia começar a achar interessante aquela filosofia de vida e, após elogiar e agradecer o chá e as bolachinhas, pediu que o ancião continuasse a falar. Então, ele disse-lhe que os pobres em espírito não eram os que não tinham coisas materiais ou até as renunciavam, mas aqueles que as usavam de forma equilibrada e sem apegos desmedidos, pois o ser era bem mais importante que o ter. Na verdade, os pobres em espírito eram as pessoas que tinham bom coração e eram profundamente humanas, que se esvaziavam do egoísmo e se enchiam do amor de Deus para usar todas as coisas como um meio, e não como um fim em si mesmo, ao serviço dos demais. As coisas mais importantes da vida não eram coisas.

 

Depois, referiu que os que choravam eram os que não se acomodavam com o seu bem-estar pessoal e se compadeciam com quem sofria e se ocupavam com a superação dos seus males e problemas. Os que exerciam a mansidão eram os que confiavam em Deus e demonstravam disponibilidade para usar as suas qualidades em favor do próximo. Aqueles que tinham fome e sede de justiça eram aqueles que se uniam às pessoas e às causas comuns para colaborarem na missão da erradicação das injustiças na sociedade. Os misericordiosos eram os que tinham a mesma atitude de Jesus Cristo, que sempre revelava compaixão para com as pessoas mais débeis, frágeis e marginalizadas. 

 

A seguir, o ancião disse que quem tinha intenções retas sabia agir segundo os padrões da ética e da valorização da verdade e do bem. A pessoa que era boa, olhava e promovia o entendimento, o diálogo e o apaziguamento dos conflitos, através do exercício da caridade. Quem era perseguido por causa da justiça devia ter a consciência tranquila e saber superar o rancor e a vingança. Todo o sofrimento e incompreensão que eram consequências da coerência e da fé em Jesus Cristo, asseguravam a certeza da recompensa divina.

 

Então, o jovem levantou-se e caminhou em silêncio pelo jardim durante uns minutos. Depois aproximou-se novamente do ancião e, sentando-se ao seu lado, disse-lhe que tinha andado completamente enganado e perdido durante toda a sua vida e agradeceu-lhe por tê-lo ajudado a reencontrar-se.

 

Então, o ancião disse-lhe que o caminho da felicidade que tinha sido proposto por Jesus Cristo, era estreito, mas era o único que levava ao tesouro absoluto que a traça não comia nem a ferrugem conseguia destruir. Na verdade, a autêntica felicidade não estava fora do ser humano, e isso era invisível aos olhos e incompreensível à inteligência. Era mais feliz quem dava e se dava desmedidamente do que quem se limitava a receber e a ter coisas. O segredo da felicidade era, na verdade, amar a Deus e aos demais como a si mesmo.

 

Então o jovem abraçou o ancião e chorou de alegria. Havia esperança e a luz começava a ver-se ao fundo do túnel. As palavras do ancião ajudaram-no a descobrir a chave para uma vida nova. As bem-aventuranças eram o rosto do próprio Jesus Cristo, o segredo da felicidade residia no coração e, afinal, o Amor era o sentido da vida.

Paulo Costa

Conto

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