A vinha e o mundo

Liturgia 4 outubro 2020  •  Tempo de Leitura: 4

DOMINGO XXVII COMUM 

“Os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si:

‘Este é o herdeiro; matemo-lo e ficaremos com a sua herança’.”

Mt 21, 38

  

 

Não há parábola mais dura de Jesus contra os chefes e dirigentes de Israel do que a dos “vinhateiros homicidas”. A ânsia de possuir, a vinha…, o povo…, o mundo…, cega aqueles que eram arrendatários. Até chegar à própria morte do herdeiro. E a parábola ganha asas para a realidade de todos os tempos em que a humanidade tenta “desapossar” Deus e proclamar-se “senhor do universo”. O que nos faz tão gananciosos e desejosos de possuir quando somos tão frágeis e voltamos nus ao seio da terra? Porque nos custa descobrir a alegria da partilha dos frutos por todos e saborear juntos aquilo que se guardamos apodrece e enferruja (até o próprio coração)?

 

Neste sábado e domingo em Assis, no lugar do túmulo do santo que reconheceu a fraternidade do mundo nas criaturas amadas por Deus, e a quem o Papa Francisco “roubou” o nome para o seu pontificado, vai iniciar-se uma nova etapa da sua vida. Ali ele nos oferecerá a sua terceira encíclica de que já conhecemos o título (“Fratelli tutti” -Todos irmãos) e traduzirá, certamente, uma síntese dos próximos desafios para a Igreja e o mundo que a pandemia veio também revelar.

 

Mesmo com a expectativa da encíclica, penso que é importante não esquecermos o outro apelo do Papa Francisco a reler e concretizar os apelos da “Laudato si’”, sobre o cuidado da casa comum, agora que passam cinco anos do seu aparecimento. Como “o vinho que ganha sabor com o tempo”, e em situação de fragilidade mundial pela pandemia, muitas das suas propostas se tornam essenciais para que “esta vinha”, que é o mundo, não se torne túmulo em vez de paraíso.

 

E a parábola de hoje é bom contexto para a sua releitura. Há orientações comuns: um mundo que nos é confiado; uma produção abundante que é para todos; um reconhecimento de que ser administradores implica responsabilidades de respeito e cuidado com todas as criaturas; a descoberta que as raízes do mal nascem da ânsia de poder de alguns; que esse mal vai até à morte dos que denunciam e propõem mudanças; que a morte do filho é a destruição dos pobres, da vida não nascida, dos deficientes, da vida no seu ocaso. Triste humanidade seremos se não mudamos mentalidades e acções. Como, de momento, não há outra “que produza os seus frutos”, a quem Deus pode entregar a sua vinha?

 

Para este 5.º aniversário da “Laudato si’” propõe-nos o Papa Francisco uma oração. Partilho algumas linhas: “[…]Ajuda-nos a sermos conscientes / de que a nossa casa comum não nos pertence só a nós / mas a todas as gerações futuras, / e que é responsabilidade nossa preservá-la. / Faz que possamos ajudar cada pessoa a ter / o alimento e os recursos de que precisa. / Faz-te presente para os necessitados nestes tempos difíceis, / especialmente para os mais pobres e vulneráveis. / Transforma em esperança o nosso medo, / a nossa ansiedade e os sentimentos de solidão, / para podermos experimentar uma verdadeira conversão do coração. […]”. Se ela pudesse concretizar-se em cada um de nós…!

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