Os “rostos” de Deus

Liturgia 4 junho 2023  •  Tempo de Leitura: 4

DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE Ano A“Deus amou tanto o mundo
que entregou o seu Filho Unigénito.”
Jo 3, 16

 

Porque será que é tão grande a tentação de reduzir a vida e as coisas ao seu sentido utilitário? A pergunta “para que serve?” vem aos nossos lábios quase sem pensarmos e é fronteira difícil de ultrapassar. E encontra-se demasiado um “espírito de funcionário”, uma defesa que erguemos para não entrarmos no mistério, para não nos deixarmos surpreender. Como se o que contasse na vida fosse a eficácia, os rendimentos que se virão a obter, o “quanto vou ganhar com isto?”!

 

Quando mergulhamos na Escritura e tacteamos com a alma o mistério de Deus vamos sentindo como é surpreendente o prazer, o gozo e o deleite desse encontro. Deus não é o “supremo arquitecto do mundo” ou o “grande relojoeiro” que algumas doutrinas esotéricas descrevem. (Até nem gosto muito de relógios pois todos sabemos que há tempos que esticam e tempos que encolhem, e esta pretensão de sermos donos do tempo tem muito que se lhe diga!) Deus não cria para mostrar o seu poder, nem faz tudo perfeitinho (como seria a nossa tentação se estivéssemos no seu lugar)! A sua perfeição é a de amar, e isso andamos toda a vida a aprender como é. É a aprendizagem em que os poetas e os pobres são os melhores mestres. Como é possível não nos apercebermos do encanto de Deus estar apaixonado por nós, e tudo fazer para que não nos tornemos máquinas sem alma, pequenos tiranos de um mundo que foi feito para o deleite e a alegria?

 

Prendo-me muito ao rosto das pessoas. Gosto de mergulhar nos olhos daqueles com quem me cruzo. Vejo como é custoso um sorriso ou um brilho no olhar. Parece que nos venderam a ideia de que a vida tem de ser enfrentada com dureza no rosto e os dentes a ranger. É verdade que há muitos sofrimentos na história de cada pessoa, mas as situações melhoram se andarmos com ar zangado e sofrido?  Não se trata de fingir, mas quando o encontro com os outros nos leva a iluminar o rosto, a oferecer a simplicidade de um sorriso e a ponte de um olhar, há um milagre que acontece: oferecemos graças que julgávamos não ter e abrimo-nos às graças que Deus nos quer dar. Com que rosto vivemos as nossas celebrações de fé e que dizem os nossos olhos ao sair de uma igreja?

 

Das palavras de S. João numa das suas cartas lembro frequentemente a promessa que ele nos faz: “um dia seremos semelhantes a Deus porque O veremos tal como Ele é” (1 Jo 3, 2). E mais do que “imaginar” o rosto de Deus, com todo o risco de acreditar que Ele é Pai, Filho e Espírito Santo, vou maravilhando-me com a belíssima diversidade dos rostos dos homens e mulheres nossos irmãos, em quem Jesus nos disse que O podíamos encontrar. Celebrar Deus que é Trindade é motivo feliz para ver, olhar, escutar, caminhar, sonhar e amar todos os que somos seus filhos. E desejar que isso nos encha a alma e transborde em tudo o que somos!

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