Pequena Aceleração

Crónicas 6 junho 2024  •  Tempo de Leitura: 4

Quase toda a gente que encontro parece andar a correr e cheia de coisas para fazer. Se a Terra diminuísse a sua velocidade de rotação para que o dia tivesse 48h, não creio que preenchêssemos o tempo cronológico a mais com descanso, mas antes mais trabalho. Parece que vivemos num momento de pequena aceleração.


A "Grande Aceleração" refere-se ao período de crescimento exponencial em diversas atividades humanas e aos seus impactos ambientais, tendo-se iniciado pela década de 1950. Este fenómeno inclui o aumento significativo na produção industrial, consumo de recursos naturais, urbanização, avanços tecnológicos e demográficos. É um período marcado por um aumento sem precedentes nas emissões de gases de efeito de estufa, poluição, desflorestação e perda de biodiversidade. A "Grande Aceleração" é um ponto de inflexão no Antropoceno, nova era geológica em que o ser humano começou, literalmente, a mudar a face do planeta. O que estaremos a mudar com a pequena aceleração?


pequena aceleração sente-se mais junto daqueles que são trabalhadores do conhecimento, isto é, pessoas que trabalham nas áreas da educação, engenharia, informática, saúde, economia e finanças, marketing, design, ou seja, áreas em que se utiliza as competências cognitivas para resolver problemas complexos, tomar decisões informadas e gerar novos conhecimentos, desempenhando um papel crucial na economia baseada no conhecimento. Temos imenso para fazer e à pergunta — «como estás?» — segue-se um suspiro de quem parece não ter uma oportunidade para respirar entre tarefas. Se a "Grande Aceleração" foi o modo do ser humano afectar o ambiente exterior, a pequena aceleração é o nosso modo de afectar o ambiente interior.


Durante a pandemia em que fomos obrigado a "desacelerar", recordo de como o volume de coisas que tínhamos para fazer diminuiu, sobretudo o tempo cronológico empregue em viagens. Vários hábitos, como a leitura, emergiram ou intensificaram-se pelas oportunidades que surgiram, levando-nos a uma experiência mais sentida daquilo que refiro como tempo kairológico, isto é tempo "gerado" pela possibilidade de fazermos coisas que nos transformam interiormente, como exploro no meu livro "Tempo 3.0". Mas terminada a pandemia, parece que a ânsia de voltar à normalidade levou-se à pequena aceleração, típica de quem gostaria de voltar rapidamente ao ponto em que estaria se não tivesse parado.



O problema é que o ser humano parece saber acelerar o ritmo de vida que leva, mas tem mais dificuldade em controlar a velocidade e mostra não saber como parar ou desacelerar. E como tudo e todos no mundo estão relacionados, a aceleração de uns reflecte-se na aceleração de todos.



Uma das máximas do decálogo do "Tempo 3.0" para quando temos a sensação de ter muitas coisas para fazer é — fragmenta as coisas antes que te fragmentem a ti.


Se tomarmos maior consciência da pequena aceleração que estamos a viver, vale a pena procurar por desenvolver pequenos travões que garantam uma existência saudável. Sabemos que o mundo em movimento é sinal de vida e evolução. Quando paramos um pouco para cuidar da vida interior, morremos para aquilo que nos acelera para vivemos para aquilo que nos mantém em movimento. No caso do ambiente interior, esse movimento faz-se de relacionamentos que pacificam o coração, silêncios gerados pela leitura ou contemplação, pensamentos profundos que nos inspiram a controlar a pequena aceleração. Quem aprende a desacelerar, não perde de vista a vida interior.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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