Uma fé peregrina

Crónicas 5 maio 2023  •  Tempo de Leitura: 4

Maio é um mês muito significativo, principalmente para nós, portugueses, que festejamos o dia da Mãe e que presenciamos, nos vários cantos do país, uma fé peregrina. São muitos os que, saindo de suas casas, dão testemunho de uma fé e oração caminhante. Independentemente das razões que o façam e até do sacrifício a que se sujeitam (que para muitos é discutível no campo da fé) não deixa de ser encantador que tantos e tantas se entreguem, numa total confiança, toda a sua fé num verdadeiro caminhar.

 

Os peregrinos que se dirigem por estes dias até o Santuário de Nossa Senhora de Fátima vão dando a conhecer ao mundo o significado maior da fé: uma entrega desmesurada, inexcedível, onde só a total confiança permite um arriscar permanente de busca. Esta é a grande beleza que nos chega de todos os que se põem a caminho. Arriscar numa eterna busca desejando, por breves instantes, saciar um pouco da sede de Deus. Desejando, por breves momentos, que lhes seja revelado um pouco mais do rosto de Deus.

 

No entanto, também não é menos verdade que muitos dos que procuram e se dirigem ao Santuário vão com a convicção de que têm de pagar uma dívida, ou, eventualmente, que se fizerem esta caminhada receberão em troca aquilo que foram lá pedir. E a minha reflexão não se quer prender de juízos de valor, mas sim aprofundar ainda mais este tema. No entanto, antes de a aprofundar, gostaria de afirmar que compreendo que as situações de desespero e de aflição levem a decisões inexcedíveis. Compreendo que acreditando em Deus tudo Lhe é possível e que, por isso, tudo Lhe pode ser pedido. E compreendo ainda que para muitos pode ser um sinal concreto de amor e de verdadeiro caminhar pelo sofrimento de tantos. Mas voltando à reflexão, as questões que sempre me vêm ao pensamento quando tenho contacto com estas pessoas é: e se não acontecer? E se aquilo que pediram a Nossa Senhora e ao Seu amado filho não se concretizar? Perderão a sua fé? Deixará Deus de ser Deus? Será que Deus deixará de se manifestar nos momentos difíceis das suas vidas? E se se concretizar apenas para alguns? Fará com que Deus tenha preferidos?

 

Não tenho respostas para as minhas próprias questões, no entanto talvez as próximas questões possam ajudar a mim e a quem lê a fazer caminho, a deixar que a fé molde as nossas vidas e o nosso pensar: se Deus é Aquele que está, não estará connosco independentemente da situação? Se Deus é de todos e para todos não seria descabido o mesmo fazer aceção de pessoas? Se Deus conhece a nossa realidade não sofrerá também Ele com as nossas dores, aflições e inquietações? Se Deus servir unicamente para responder aos meus pedidos, será que acredito assim tanto na Sua presença? Se Deus é amor como poderia aceitar que a dor fosse paga com maior dor e sacrifício?

 

Acreditar em Deus é, como dizia no princípio, uma busca permanente, mas acima de tudo um arriscar, porque não teremos todas as respostas. Porque não compreenderemos tudo o que nos acontece. Porque, mesmo acreditando n’Ele, não deixaremos de experimentar as tribulações. Acreditar em Deus é confiar e sentir que Ele se revela, tantas e tantas vezes, de um outro jeito e em tantos que se cruzam connosco, principalmente nos momentos em que parece que Ele já não está, ou que parece ter-se esquecido de nós.

 

Aproveitemos o mês de maio para sermos peregrinos. Na nossa fé, na nossa vida e na vida dos outros. Deixemos que Deus se revele para além daquilo que já sabemos e vivenciamos!

Nasceu em 1994. Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano. Psicólogo no Gabinete de Atendimento e Apoio ao Estudante e Coordenador da Pastoral Universitária da Escola Superior de Saúde de Santa Maria. Autor da página ©️Pray to Love, onde desbrava um caminho de encontro consigo mesmo, com o outro e com Deus.

 

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