Precisamos de uma vida mais simples…

Crónicas 30 março 2021  •  Tempo de Leitura: 4

Esta é a Semana Maior para os cristãos. Não só porque tem oito dias, visto que inicia com o Domingo de Ramos, mas porque nela se celebra o coração do mistério da salvação. É tempo de aproximar-nos de forma decisiva de Deus.  A liturgia convida-nos a acompanhar Jesus passo a passo, desde sua chegada a Jerusalém, até o encontro do Ressuscitado com os discípulos, passando pelo Gólgota onde foi crucificado. É o centro da história e ao mesmo tempo o seu fim, já que ela aponta para o fim último da nossa caminhada na terra: a vida eterna.

 

No entanto, a sensação que quase todos nós temos, é que esta semana já é vivida desde Março do ano passado. Gostaríamos que tudo isso acabasse rápido, que alguém nos garantisse um futuro em que a pandemia fosse apenas uma estória a ser apagada da memória. 

 

Tem sido um ano longo e difícil, agravado agora pela precariedade das condições económicas e sociais que muitos de nós ou dos nossos começam a viver. Estamos esperançados na vacina como se fosse a nossa salvação. Ainda este fim de semana, centenas de professores e auxiliares das escolas do primeiro ciclo e dos jardins da infância, começaram a ser vacinados.

 

Mas é só da vacina que realmente precisamos? Este ano caracterizado por muita sobriedade, pela ausência das condições habituais de vida, não nos ajuda a ver mais nada? A Quaresma pede-nos silêncio, introspeção, deserto… O deserto não é apenas vazio, ausência, cansaço. É também uma oportunidade de descobrir algo novo, como qualidades ou capacidades que pensávamos não ter ou que, até agora. nunca tivemos a oportunidade de as colocar em prática.

 

Precisamos de aprender a habitar este tempo tal como ele se apresenta, e não apenas sofrê-lo enquanto se espera que passe. Viemos de anos de conforto e despreocupação, nos quais acostumamo-nos a administrar o tempo como queríamos, para fazer o que queríamos. Redescobrir o sentido para esta vida, que nunca teríamos escolhido, é reabitar a casa, o trabalho, os relacionamentos de forma diferente.

 

Trata-se de reconstruir a nossa casa, renovar os laços familiares, aprendendo a não dar valor apenas ao conhecimento ou ao facto de vivemos juntos há muitos anos. Dar outro espaço ao diálogo estando atento aos nossos sonhos, desejos, medos e aos dos nossos familiares. Reconstruir as atividades de trabalho em casa ou no emprego. Formas simples de viver o quotidiano para saborear a simplicidade dos gestos, da atenção serena, de uma certa calma que faz gozar o estar junto de alguém sem outra pretensão ou finalidade, que não seja a gratuidade de viver e ser.

 

Precisamos de recuperar a dimensão do silêncio: vivemos continuamente conectados com telemóveis, computadores, televisores e muito mais, e temos medo de ficar sozinhos connosco, para ouvir o nosso interior, para dar voz aos nossos desejos mais profundos, para viver com profundidade e não com superficialidade. Silêncio que pode dar espaço a quem está ao nosso redor, para aprender realmente a escutar e não apenas ouvir. 

 

Ficar em silêncio e criar um espaço de oração pessoal e familiar, para redescobrir a beleza de ser uma igreja doméstica reunida em torno da Palavra, confiando ao Pai a situação de sofrimento que envolve o mundo inteiro. 

 

Não nos basta apenas a vacina. O que o nosso coração precisa é de redescobrir uma vida mais simples e mais partilhada e que este tempo, esta Semana Maior, pode dar-nos.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail