Quarenta dias numa viagem de regresso

Crónicas 23 fevereiro 2021  •  Tempo de Leitura: 3

Tempos difíceis. Todos nós, algures na caminhada que é a vida, encontramos obstáculos que são mais agrestes. Elevações que dificultam o caminho e a confirmação do destino. O horizonte desaparece do nosso olhar. Vivemos uma dessa colinas neste último ano. Se o nevoeiro tinha desaparecido com a descoberta da vacina, o último mês mostrou que uma tempestade desabou sobre a vida de muitas pessoas e famílias. O que virá a seguir?

 

Nas muitas quaresmas já vividas por mim, houve uma que me marcou. Aprofundava com o meu diretor espiritual que renúncia deveria escolher para esta jornada de quarenta dias. Fui aconselhado a fazer silêncio. Não um silêncio como ausência de palavras, mas habitado pela Palavra. Fui convidado a ler pausadamente o Salmo 106. Uma oração esplêndida, que ajudou-me a discernir a minha vida naquela situação concreta, naquele tempo que já era último, como é todo o tempo que vivemos. Ajudou-me a fazer opções, renúncias mais evangélicas, com sabor a amor e liberdade e não a escravidão e opressão que tantas vezes, envoltos pela sociedade materialista e hedonista, não nos conseguimos libertar.

 

O salmo canta toda a história de Israel. As inúmeras provações pelas quais passou devido às suas próprias infidelidades, mostrando acima de tudo a ação salvífica de Deus. Alternando a memória de acontecimentos históricos particulares, o salmista canta, em várias ocasiões, a misericórdia de Deus que sempre guiou o caminho dos seus pais.

 

Quando, neste tempo litúrgico, se fala de deserto, pretende-se apelar a este silêncio que é encontro com Deus na nossa história. Na história de cada um de nós! Apesar das nossas ausências Ele está. Apesar das nossas distrações, Ele sempre permanece atento ao nosso caminho. Apesar dos nossos esquecimentos, Ele tem-nos presente.

 

O Papa Francisco, diz-nos: «A Quaresma é uma viagem que envolve toda a nossa vida, tudo de nós mesmos. É o tempo para verificar as estradas que estamos percorrendo, para encontrar o caminho que nos leva de volta a casa, para redescobrir o vínculo fundamental com Deus, do qual tudo depende».

 

Reconhecendo na nossa história particular a presença de Deus, poderemos reorientar a nossa bússola. Quarenta dias de deserto. Quarenta dias que podem ser o nosso êxodo da escravidão para a liberdade. Quarenta dias que nos podem ajudar a enfrentar as dificuldades, os obstáculos que impedem o nosso caminhar.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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