Vidas em quarentena

Crónicas 13 março 2020  •  Tempo de Leitura: 2

«O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for suscetível de servir os nossos interesses.» 

José Saramago

 

Estamos mais fechados do que nunca. Viramo-nos do avesso e ficamos com os olhos postos somente no nosso umbigo. Já não nos vemos. Já nem nos contemplamos. Estamos decididamente ocupados em servir o nosso ego. Estamos virados para o nosso deus que é alimentado por ter, ter e ter. 

 

Estamos mais fechados do que nunca. Vivemos para o agora, despreocupados com o que somos e fazemos. Desprendemo-nos da humanidade para que nada nos pudesse ferir. Colocamos as máscaras na nossa alma e já nem a vergonha nos salva deste egoísmo e deste egocentrismo doentio. 

 

Estamos mais fechados do que nunca. Entramos em correrias que nos revelam a nossa falta de união e de comunidade. Perdemos o sentido de nos darmos e de chegarmos mais de perto. Perdemos a sensibilidade do toque, do olhar e da empatia. Vivemos agarrados à sobrevivência louca e desmedida, onde tantas e tantas vezes se torna num vazio coberto de imensa ignorância. 

 

Estamos mais fechados do que nunca. No entanto, vamos vivendo como se nada disto acontecesse. Os nossos atos passaram a ser consumidos pela vaidade e não pela preocupação. Os nossos sonhos foram esvaziados pela nossa falta de compromisso. A nossa vida foi interrompida por relações que já não são marcadas por rostos, por nomes ou histórias. 

 

Estamos mais fechados do que nunca. E usamos todos os vírus e todos os medos para continuarmos a ignorar aquilo que o coração nos pede. 

 

Estamos mais fechados do que nunca. Vivendo numa bolha que um dia rebentará as nossas ilusões e nos fará perceber o que realmente dá sentido a todo este movimento misterioso.

 

Hoje, retira as máscaras que não permitem escutar-te e pergunta-te corajosamente: o que te fizeram para desprezares aquele que te é semelhante? O que te fizeram para que o teu coração não estremeça perante a dor do outro?

Nasceu em 1994. Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano. Psicólogo no Gabinete de Atendimento e Apoio ao Estudante e Coordenador da Pastoral Universitária da Escola Superior de Saúde de Santa Maria. Autor da página ©️Pray to Love, onde desbrava um caminho de encontro consigo mesmo, com o outro e com Deus.

 

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