Jovens e Igreja: Da paixão ao afastamento

Jornada Mundial da Juventude 20 novembro 2023  •  Tempo de Leitura: 12

Muitas das pessoas que estão empenhadas na pastoral juvenil ou que têm interesse em saber por onde andam os jovens têm nos olhos as imagens da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa: passaram pouco mais de dois meses, mas permanece o eco de uma experiência bela e viva, onde os jovens “estavam lá”, numerosos, participantes, cheios de entusiasmo. Imagens que encorajam e que dão esperança, que dizem que há um mundo juvenil que continua a deixar-se convocar pela Igreja. A experiência é extraordinária: a viagem, o estar entre jovens, a abertura mundial, o encontro com o papa Francisco, uma oração diferente do habitual…; sobretudo trata-se de uma experiência global, que envolve toda a pessoa num contexto de vida. É verdade que não é a Igreja de todos os dias, mas é uma situação que pode evidenciar alguns elementos que, apesar de se relacionarem com a normalidade, devem ser tidos em conta.

 

Os muitos rostos da Igreja

Por detrás do nome genérico de Igreja encerram-se, na realidade, muitas experiências diversas, entre as quais os jovens estão habituados a distinguir: Igreja é a sua paróquia, o seu grupo, a sua associação, o seu padre, a instituição eclesial; cada um destes rostos da realidade eclesial evoca nos jovens sentimentos e reações diferentes; interesses e objeções; atenções e suspeitas… Para aqueles que fizeram uma experiência paroquial de certa duração e de certa intensidade, a Igreja significa o seu grupo, pessoas que evocam situações e momentos, mais ou menos agradáveis e interessantes, conforme os casos. Pensar na paróquia significa recordar rostos e relações: calorosas ou anónimas, cordiais ou indiferentes, simpáticas ou conflituosas.

 

A experiência vivida na própria comunidade põe em causa o estilo concreto quotidiano do viver eclesial, o seu estilo relacional, veículo privilegiado para comunicar a qualidade humana do seu viver e da sua mensagem. Muito mais problemática é a relação com a Igreja enquanto instituição


Para o bem e para o mal, este é o aspeto que imprime, na consciência das novas gerações, uma marca difícil de eliminar. Há quem tenha permanecido no ambiente eclesial por causa do laço com algumas pessoas, sobretudo figuras adultas significativas, e quem se foi embora porque não se sentiu compreendido, que se apercebeu que foi excluído, ou julgado, ou não valorizado. As relações são importantíssimas na vida dos jovens (…). São decisivas para a relação com a própria comunidade, mas vão muito além, numa generalização que conduz muitos a pensar a Igreja em geral como espelho da sua comunidade. Para a maioria dos jovens, ela é um lugar anónimo, frio, pouco atrativo: um contexto a que não vale a pena pertencer. A experiência vivida na própria comunidade põe em causa o estilo concreto quotidiano do viver eclesial, o seu estilo relacional, veículo privilegiado para comunicar a qualidade humana do seu viver e da sua mensagem.

 

Muito mais problemática é a relação com a Igreja enquanto instituição: isto constitui para muitos adolescentes e sobretudo jovens o elemento de maior obstáculo para a sua pertença. Para muitos parece impensável que a experiência religiosa e a relação com Deus, que eles vivem de maneira muito pessoal e até individualista, possam estar inscritas dentro de uma realidade institucional que percecionam como mortificante para a espontaneidade de um sentimento que, no seu conceito, não suporta restrições provenientes do exterior. Sobre este aspeto influi certamente aquele traço da sensibilidade juvenil que luta para aceitar que a própria subjetividade seja limitada do exterior, e que os conduz a ter uma relação problemática não só com a Igreja, mas com todas as instituições.

 

O estilo eclesial é percecionado como velho (é o adjetivo mais usado percentualmente para qualificar a Igreja), aborrecido, frio, fechado. É óbvio que uma realidade percecionada desta maneira não pode ser atrativa, interessante, envolvente


O maior dos problemas

Para além desta objeção de fundo, há depois as dificuldades que dizem respeito a aspetos específicos da vida eclesial. Como jovens, sentem que não há lugar para eles na Igreja, que recorre a linguagens com categorias culturais distantes deles. Diz um jovem: «A Igreja é muito patriarcal, é pouco aberta à mudança, está muito para trás, muito atrás dos tempos». Este rapaz de vinte e três anos afirma: «Não me situo em várias posições que vão da homossexualidade ao poder da Igreja, ao facto de a Igreja ser substancialmente uma monarquia (…). Sou muito crítico em relação a muitas opções tomadas pela Igreja, que a meu ver a mantêm muito atrasada em relação à sociedade contemporânea».

 

Nas entrevistas das investigações sobre jovens do Observatório do Instituto Toniolo [Itália] há uma convergência unânime sobre um aspeto que constitui o maior problema nas posições da Igreja: o que diz respeito à homossexualidade, que é citada no primeiro lugar por quase todos os entrevistados como tema que determinada um distanciamento. Não que sejam todos homossexuais. Mas considero que este é um tema que não diz respeito à fé e à Igreja. Uma pessoa de vinte e nove anos declara: «Se Deus existe, o último problema que tem na Terra, no mundo, no universo, é se duas pessoas que se amam são do mesmo sexo ou não».

 

Todos os temas que dizem respeito à vida e à família, em diferentes medidas, são considerados questões que dizem respeito apenas à pessoa individual e à sua consciência. O estilo eclesial é percecionado como velho (é o adjetivo mais usado percentualmente para qualificar a Igreja), aborrecido, frio, fechado. É óbvio que uma realidade percecionada desta maneira não pode ser atrativa, interessante, envolvente. É preciso também notar que esta maneira de ver a realidade eclesial não pertence apenas aos jovens que decidiram afastar-se, mas é partilhado também por aqueles que consideraram ter razões para ficar, ou regressar. E quem sabe se não é partilhada igualmente por muitos adultos!

 

«A Igreja devia ser como um jantar em casa de amigos, em que és livre de falar daquilo que queres, sabendo que da outra parte há pessoas que te querem bem e que te escutam e que não te julgam, independentemente daquilo que dizes e que pensas. E também que seja um momento de convívio»


A Igreja que desejaria

Desejaria uma Igreja… livre, aberta, acolhedora, inclusiva, simples, pobre, leve, mais próxima, atual, inovadora, compreensiva, autêntica, apolítica, humilde, respeitadora, alegre… Concluo aqui o elenco dos adjetivos com que os jovens representam o seu sonho de Igreja, mas a lista poderia continuar: estas qualidades falam de uma paixão pela Igreja, expressa por jovens que também declaram tê-la abandonado. Poder-se-ia talvez dizer que muitos abandonos nascem de uma paixão, que antecede e é mais forte do que uma recusa; de uma ferida que não se cura.

 

Há nos jovens o desejo de uma Igreja quente, humana, acolhedora, como afirma uma jovem de vinte e cinco anos com uma imagem muito eficaz: «A Igreja devia ser como um jantar em casa de amigos, em que és livre de falar daquilo que queres, sabendo que da outra parte há pessoas que te querem bem e que te escutam e que não te julgam, independentemente daquilo que dizes e que pensas. E também que seja um momento de convívio». E depois os jovens gostariam de uma Igreja em diálogo: com eles e com todos, não agarrada dogmaticamente às suas posições, mas disposta a escutar, a confrontar-se, a pôr-se em discussão. O carácter indiscutível das suas posições, para lá até dos conteúdos que elas manifestam, já é por si mesmo motivo de afastamento.

 

Não que a Igreja deva construir a sua vida e o seu pensamento a partir dos pedidos dos jovens ou de quem quer que seja; todavia, não pode não valorizar o pedido de autenticidade que há nas suas posições: deveria ser reconhecido e mereceria uma resposta


Quantos jovens que se afastaram da Igreja estão dispostos a voltar? Muitos respondem «sim, mas…», «sim, na condição de a Igreja mudar», «com esta Igreja, não». Podem resumir-se assim respostas semelhantes dos entrevistados. A relação com a Igreja não foi definitivamente cortada, mas não pode ser com uma Igreja que lhes dá um sabor de antigo, de gasto, de distante das distâncias das pessoas de hoje.

 

Passos para um novo encontro

É possível hoje uma aproximação entre o mundo juvenil e a Igreja? Que passos esperariam os jovens? No fundo as reflexões acima apresentadas deixam-no já entrever. Não há algo que a Igreja deva fazer pelos jovens, mas antes deveria modificar a sua vida naqueles aspetos que são motivo de distância. Não que a Igreja deva construir a sua vida e o seu pensamento a partir dos pedidos dos jovens ou de quem quer que seja; todavia, não pode não valorizar o pedido de autenticidade que há nas suas posições: deveria ser reconhecido e mereceria uma resposta. Os jovens não lhe pedem que mude e mais nada, mas que o faça na perspetiva do Evangelho: mostrando interesse pela existência das pessoas e manifestar o desejo de encontrar-se com aquela vida que palpita na sua consciência e no seu coração, como no de muitas pessoas, não apenas jovens.

 
[Paola Bignardi | In Avvenire]

tags: Snpc, Jovens

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