Recomendamos: «Via-Sacra para Crentes e Não-Crentes»
A comuniade iMissio dá início, hoje, a uma nova parceria: recomendamos um livro mensal da PAULUS Editora. Todos os meses, no dia 27, iremos partilhar a reflexão de um cronista, fruto da leitura pessoal, de uma obra proposta pela Paulus Editora.
A Semana Santa, a Semana Maior para os cristãos, será celebrada dentro de dias. Com o propósito de uma melhor vivência recomendo "Via-Sacra para Crente e Não-Crentes".
A Via-Sacra ou o Caminho da Cruz (Via Crucis), é fundamental para a compreensão do mistério pascal de Jesus Cristo. Não há a ressurreição sem a morte. É uma tradição antiquíssima, que remontará aos primeiros séculos do cristianismo, e que chegou à forma atual, das catorze estações, no século XVI. Pretende pôr o crente a meditar sobre o caminho percorrido por Jesus, a sua Paixão, desde o pretório de Pilatos até ao monte Calvário. Podemos dizer que é um caminho de oração.
A grande 'aventura' dos autores desta obra está no querer escrever, não só para os crentes, como também, para os não-crentes. Digo 'aventura' porque são dois autores cristãos católicos. Trata-se de uma grande façanha intelectual, mental e espiritual. Meditar sobre um acontecimento que é redentor para quem acredita, não será visto da mesma forma para alguém que não acredita em Jesus Cristo como Deus e Salvador da humanidade. Se José Luís Nunes Martins me é sobejamente conhecido, o mesmo não acontece com o Paulo Pereira da Silva.
O José Luís, que já conheço há mais de uma dezena de anos, sempre me encantou pela sua escrita. O olhar atento à realidade da vida; a necessidade de interpretação dos acontecimentos; a profundidade do pensamento, entre outras caraterísticas, são a sua "marca d'água". Abordar esta temática, não é novidade. Ele próprio se identifica com o existencialismo cristão, onde o sofrimento e a morte são temas fulcrais.
O Paulo, que me "obrigou" a alguma pesquisa, é para mim uma grande e boa novidade. Este físico e empresário, revela-se como um grande crente. A participação nesta obra tem a ver com o que acredita e com o desejo de aprofundar a fé. Para ele, o catolicismo está intimamente ligado à razão. Tem necessidade de perceber e dar razões do que acredita.
Ao ler as 14 estações para os não-crentes, lembrei-me imediatamente de Arthur Schnitzler que na sua obra "Espírito e Religião", afirma: «Todos os seres humanos estão conscientes do infinito e da eternidade. A única diferença que existe entre eles é saber até que ponto essa consciência abala cada indivíduo considerado isoladamente».
O José Luís, em cada estação, parte da realidade da vida de todos e cada um de nós e confronta-a com o tema da estação. 1ª Estação, Jesus é condenado à morte: «Todos os dias somos condenados. De forma mais ou menos imprudente, há sempre quem nos aponte o dedo e faça juízos...». Vai numa espiral que terminará, na 14ª Estação, por nos identificar com Jesus ou com todas as personagens que participam na Via-Sacra.
É interessante a atenção que tem em nunca fazer alusão a figuras bíblicas ou à vivência devocional da religiosidade cristã católica, senão, na última Estação. Recordei A. Schnitzler. «Um acredita num deus pessoal acima das coisas e das pessoas, o outro acredita no seu próprio querer como no seu deus, uns são humildes, outros revoltam-se, e todos - seja qual for o comportamento individual de cada um -, todos são crentes». O José Luís, vai desconstruindo a fragilidade humana ao longo do texto: «Não somos mesmo a medida das coisas, o mundo é bem maior do que imaginamos». Acaba por 'colar' esta nossa humanidade àquela de Cristo. E aqui é que o sofrimento e a morte podem ganhar, ou não, um novo e maior sentido.
O Paulo, sem medos ou demoras afirma a crença. Mas não esperem um texto demasiado 'tradicional'. É devocional, sem dúvida, mas de uma profundidade tal que exalta o divino no humano de jesus, bem como o humano no divino de Cristo. «Por detrás do rosto do Senhor está o rosto de todos os homens desfigurados, feridos, deficientes, sofredores. Ecce Homo, eis o Homem, dá dignidade a todo o homem. É selo da aliança entre Deus e os homens: Quem toca no homem, toca em Deus! Sentença proferida, um fio de água corre sobre as mãos cobardes: o Homem vai morrer mas nada retém o Verbo. O Amor pode avançar». É o tempo da esperança.
O sofrimento, a morte, a felicidade, a esperança, a dor, o amor e a amizade, entre outros, são temas que crentes ou não-crentes vivem no seu dia a dia. Hoje existe a tendência de esconder a temática do sofrimento e da morte que é tão natural à vida. Esta obra tem esta mais valia: a de colocar em diálogo, Estação a Estação, crentes ou não, sobre a mesma realidade. É uma proposta de explicitação do que é o sofrimento e a morte para o Cristianismo. Ao mesmo tempo, ajuda o crente a entender melhor o seu sofrimento à luz do sofrimento e da morte de Jesus.
Um belo texto que me pôs a pensar sobre o sofrimento e a morte, a vida e amor, o egoísmo e a partilha, o que fica depois da morte, as dúvidas, os amigos e os amores, os encontros e os desencontros, as quedas e o levantar, a mãe e o filho... Um livro riquíssimo para esta quaresma ou 'outras quaresmas' que a vida nos dará.
Resta-me abordar o trabalho fotográfico de Francisco Gomes. Exemplar para esta temática. Consegue captar o sofrimento e ao mesmo tempo desvelar o mistério da ressurreição, através da luz que consegue transparecer em cada foto.
Ficha Técnica
Título: Via-Sacra para Crente e Não-Crentes
Autor: José Luís Nunes Martins; Paulo Pereira da Silva