O amor que partilho é epifania de Deus. #15
A capacidade de entrega sempre me interpelou e o compromisso que daí percebi poder resultar, foi inquietante vocacionalmente. O sorriso e o sonho que eu invejava, surgem desse primeiro sim que a entrega concretiza seja num projeto, num caminho, ou partilhada com outra pessoa.
Hoje sei que o «sim» para a entrega não é instantâneo. Um «sim» duradouro nasce fruto de uma relação onde nos envolvemos, que vive entusiasmos e paixões mas também auto-conhecimento e sofrimento. E isto é verdade para qualquer amor que cresça.
O melhor testemunho de amor que posso dar baseia-se no que permiti que outra pessoa fizesse por e em mim.
Não se trata apenas do que me faz viver, do olhar que me amplia, do mundo que me abre, mas do olhar que me faz ter para comigo e para os outros.
Penso no esforço que me pede, na confiança que me incute, no acompanhamento que me faz.
O amor que eu conheço abraça-me e faz silenciar o cansaço quando este ocupa lugar e parece afastar-nos.
O amor que eu vivo repreende quando me afasto do que sou.
O amor que retribuo faz-me acreditar na minha vida, confiando no dia de amanhã.
O amor que partilho é epifania de Deus que me fala pela pessoa que é graça na minha vida.
Transcrevo um dos poemas que, durante o namoro com o meu marido, dei e recebi:
Da verdade do amor se meditam
relatos de viagens confissões
e sempre excede a vida
esse segredo que tanto desdém
guarda de ser dito
pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados
não se deve explicar demasiado cedo
atrás das coisas
o seu brilho cresce
sem rumor.
José Tolentino Mendonça