A bandeira do senhor padre, como é?
As bandeiras estão um pouco fora de moda mas ainda hoje são símbolos que temos facilidade em entender. O padre Paulo confiou-se às minhas artes e à amizade que nos une, pediu-me que desenhasse a pagela da sua missa nova - e, para minha surpresa, apareceu um bandeira.
A primeira intuição que tive foi que a peça deveria ter a aparência de tecido. Um tecido feito de muito tecidos. Uma espécie de manta de retalhos. Não porque o Paulo seja retalhado mas porque tem um dom particular para unir partes desavindas da realidade. E representei quatro partes - como tantas vezes fazemos para entender melhor a realidade – sugerindo a divisão do globo terrestre ou os quatro elementos da natureza.
A partir dessa divisão, quis caracterizar cada uma das partes com elementos que caracterizassem o P. Paulo. Primeiro, à esquerda em baixo, os ‘jeans’ a representar o quotidiano, com a simplicidade e a rotina, as lutas e as conquistas próprias do dia-a-dia; à esquerda, em cima, um tecido mais ‘barroco’, a representar os momentos mais solenes, mais formais, e a dimensão mais festiva da vida. À direita em baixo, uma variedade tecidos [cfr. legenda em baixo], a representar diferentes continentes, povos, regiões que são abraçados pela missão de cada jesuíta - e, ao mesmo tempo, alargando o significado podem também representar as diferentes personalidades que o P. Paulo, como sacerdote, terá de conhecer, aceitar e ajudar no seu trabalho diário. Depois, à direita em cima, o globo terrestre a representar a humanidade na sua unidade, porque afinal somos todos um pontinho neste imenso universo; e, de longe, todas as diferenças se esbatem e todos os preconceitos se tornam mesquinhos – esta parte representa também o lado contemplativo, o olhar inclusivo que reconheço no P. Paulo.
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Finalmente, o último elemento e o mais importante: o monograma ‘IHS’, a representar o nome de Jesus: ele sim, o elemento conciliador, unificador, que abraça e levanta todas as realidades - o elemento que ocupa e dá vida ao coração de cada cristão, sem o qual a vida de um jesuíta se esvazia e dispersa, e ao qual o P. Paulo entrega a sua vida e a sua missão.
Encontrado o conceito faltava a ajuda de alguém com maior destreza que eu – que as minhas mãos andam mais treinadas na escrita que nas artes plásticas. E foi aí que encontrei a Marta e as “martisses” que vai partilhando na sua página no Facebook [cfr. 'link' no fim]. Os seus desenhos transmitem algo de fresco e ternurento que gostaria de ver na peça a oferecer ao Paulo. E assim foi. Primeiro tentámos resolver com um desenho feito em computador. Depois, continuou a ressoar em mim o toque que só poderia ser dado pelo tecido e pelo traço - talvez um pouco roufenho - próprio da agulha e das linhas cosidas para unir partes tão diferentes. Talvez porque o trabalho sagrado, espiritual, próprio do sacerdócio não se coaduna com rapidez, eficiência e mecanicidade mas com mistério, paciência e organicidade.
Foi quando a Marta me mostrou a peça, já cosida, que ‘apareceu’, de surpresa a bandeira. E pensei: “claro! Nada tão apropriado para representar um jesuíta como a bandeira de Cristo!”. Nos Exercícios Espirituais [nº136.144-147], Santo Inácio de Loiola propõe isso mesmo: a “meditação das Duas Bandeiras”. Uma, a de Cristo; a outra, a do “inimigo da natureza humana”. Ali coloca o exercitante diante da necessidade de escolher o seu caminho. E o Paulo, confiado nas minha artes e na minha amizade, ofereceu-me esta oportunidade de rezar, desenhar e, com a ajuda da Marta, conceber a ‘sua’ bandeira, que é, em primeiro lugar, a de Cristo.
Durante a sua missa nova, o P. Paulo quis pôr a sua bandeira, junto do altar. Isso permitiu-me também a mim, fazer a minha oferta a Deus e a Nossa Senhora, como se de um grande ramo de flores se tratasse. Interiormente desejei e pedi que tudo isto seja para que Deus se manifeste no seu sacerdócio. E “para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim [teu Filho Jesus] e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste” [Jo 17,21].
E agora? Agora há que continuar a rezar pelo P. Paulo. E mais uma coisa: e se cada um tivesse de desenhar a sua própria bandeira? Como seria? Já agora, vale a pena pensar nisto! ;)
[©João Delicado, Ver para além do olhar]