IV Domingo Quaresma: Olha e vê!
O IV Domingo da Quaresma é conhecido como o Domingo da Alegria "Laetare". Como que um oásis no meio do deserto ou um farol que convida a olhar com alegria para o caminho percorrido na subida para a Páscoa. Na antífona de entrada da Eucaristia deste domingo temos o convite à alegria “Alegra-te, Jerusalém; rejubilai, todos os seus amigos. Exultai de alegria, todos vós que participastes no seu luto e podereis beber e saciar-vos na abundância das suas consolações”. É um convite à alegria, não ao luto; um convite à festa onde haverá abundância de comida e bebida pois o encontro com Aquele que venceu a morte está próximo.
O itinerário quaresmal que nos conduz à Páscoa, apresenta-nos hoje o tema da luz. Da água viva que brota do coração de Jesus junto ao poço da Samaritana chegámos à luz, luz que evocava já o velho Simeão quando viu a criança que entrava no Templo nos braços de Maria e José “Luz para se revelar às nações e glória de Israel, teu povo” (Lc 2, 32). Jesus é a luz do mundo. Ele mesmo o afirmou durante a Festa das Tendas – festa da luz – em Jerusalém “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12).
“Na história do cego de nascença cada cristão pode facilmente reconhecer a sua própria história. Antes de encontrar Cristo era cego, depois o Mestre deu-lhe a vista, iluminou-o na água da fonte batismal. Quando, depois de Constantino, se começaram a construir os primeiros batistérios, deu-se-lhes o nome de photistéria (lugares de iluminação) ” (Fernando Armellini – O Banquete da Palavra, Paulinas Editora).
O Evangelho começa logo com uma questão (possivelmente a nossa questão também): “Quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os pais?” (Jo 9, 2). Diante do mal a inquietação humana procura sempre uma resposta, um culpado, um bode expiatório. Jesus desconstrói toda uma teologia vigente naquele tempo, pois Deus não castiga nem a cegueira tem nada a ver com o pecado. Não há nenhum vínculo entre pecado e doença. Deus não se diverte com o sofrimento humano, mas quer o bem para a Sua Criação. Como resposta à interpelação dos seus discípulos, Jesus mostra o amor de Deus.
Com a sua própria saliva e lodo Jesus unge os olhos do cego e envia-o à piscina de Siloé para lavar os olhos. “Jesus adequa-se à mentalidade do seu tempo que considerava a saliva um concentrado do hálito, do espírito, da força de uma pessoa. Está patente a ideia que do hálito, do Espírito de Jesus nasce o homem novo, iluminado” (cf. O Banquete da Palavra). Siloé significa “enviado”. O cego é enviado e vai lavar os olhos às águas do Enviado e fica curado.
“Uma carícia de luz feita ao cego. Jesus toca e ilumina os olhos de um mendigo que nos representa a todos. Uma carícia de luz que se transforma numa carícia de liberdade. Quem não vê deve depender de outros, deve apoiar-se num muro, num bastão, nos pais, em fariseus. Quem vê, pelo contrário, não depende de ninguém, caminha seguro, livre. Como o cego do Evangelho que, curado, se torna forte, já não tem medo, faz frente aos fariseus, olha apenas aos factos concretos e não às palavras. Torna-se livre. A carícia de liberdade torna-se carícia de alegria. Porque ver é desfrutar: saborear a beleza, os rostos, as cores. A luz é como um toque de alegria pousado sobre as coisas. O cego vê a alegria que há no coração secreto de todas as coisas. Assim é a fé: visão nova, visão jubilosa das coisas” (Ermes Ronchi – A Esperança que nasce da Palavra, Paulinas Editora).
Depois da cura nem os seus vizinhos nem a sua família o reconheceram. Assim acontece com aquele que se cruza com Jesus e se deixa tocar pela Sua Palavra. E surgem as dificuldades… Quem abraça o projeto de Jesus é incompreendido muitas vezes. As autoridades religiosas negaram categoricamente a proveniência de Jesus. Prisioneiros das suas próprias seguranças e certezas, os entendidos nas questões religiosas não reconheceram o rosto humano de Deus. Enquanto o cego de nascença teve um encontro com Jesus, mesmo não O vendo nem conhecendo, acreditou; os fariseus e doutores da lei nem sequer se deram ao trabalho de interrogarem Jesus passando de imediato à condenação «Como pode um pecador fazer tais milagres?». Os fariseus e doutores da lei tornam-se assim “funcionários das regras e analfabetos de coração” (Ermes Ronchi).