Domingo III da Páscoa: Palavra que se faz pão, pão que muda o caminho!

Parece que o desânimo e o medo do desconhecido estão inscritos nos nossos genes. Hoje vemos dois discípulos que, desanimados com as cenas dramáticas e injustas que presenciaram contra o seu mestre voltam para Emaús. Mesmo diante dos factos, quando as mulheres visitam o sepulcro de Jesus para o ungir com os perfumes, não encontram o corpo de Jesus e voltam para junto dos discípulos e repetem o anúncio que um Anjo lhe fez “Porque buscais entre os mortos Aquele que vive? Jesus está vivo, ressuscitou”! Este é o dia da nova criação, “o dia sem fim e no qual nos encontramos ainda hoje. Dia que vai desde a ressurreição de Jesus até à sua vinda gloriosa” (Enzo Bianchi – Jesus, Dios con nosotros, Ediciones Sigueme).

 

“Acreditávamos que era Ele quem havia de libertar Israel”. Esperavam um Rei poderoso, que pela força libertaria Israel do jugo inimigo. E o que veem eles? Um Messias morto e morto numa cruz, condenado como malfeitor. A cruz acabou com toda a esperança que haviam depositado em Jesus. Tantas vezes criamos imagens erradas de Deus. Construímos um Deus à nossa medida, quando nós é que fomos criados à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26). Queremos um Deus que responda aos nossos maiores anseios e desejos, aos nossos projetos. Mas a cruz da desilusão e do castigo, com Jesus tornou-se sinal da “plenitude do amor, que muda a compreensão de Deus e do homem (…) A mão de Deus está pousada precisamente ali onde parecia impossível, precisamente ali onde parecia absurdo: na cruz. Tão escondida que parecia ausente, enquanto, pelo contrário, vai tecendo o fio de ouro do mundo. Não o esqueçamos: quanto mais escondida está a mão de Deus, mais poderosa é” (Ermes Ronchi – A Esperança que nasce da Palavra, Paulinas Editora).

 

Somos todos convidados a colocarmo-nos no papel dos discípulos que caminha. “Um dos dois discípulos, Cléofas (personagem muito conhecido na Igreja primitiva, porque era o irmão de José, o pai do Senhor) e o outro? O outro… poderia ser um convite dirigido ao leitor para que inserisse o próprio nome, um convite a percorrer juntamente com Cléofas o caminho que leva a reconhecer o Ressuscitado presente onde duas pessoas estão reunidas em seu nome” (Fernando Armellini – O Banquete da Palavra, Paulinas Editora).

 

Jesus aproximou-se deles e encontrou dois discípulos perdidos no caminho, caminhavam de olhos fechados, incapazes de reconhecer Jesus, o Ressuscitado. Estavam tristes. “Estar triste é sinal de que nos falta o Senhor. E talvez nem sequer o saibamos. Homens e igrejas sem alegria são homens e igrejas sem Deus, Ele que, como diz o padre David Turoldo, é a «fonte amorosa da alegria e do canto»” (Ermes Ronchi).

 

Ao serem interpelados por Jesus, limitam-se aos factos ocorridos nos últimos dias: um justo foi condenado, morto numa cruz e sepultado. Ainda não fizeram a experiência da Ressurreição. “Quem pensa desta forma descobre apenas, por assim dizer, o aspeto exterior, o acontecimento historicamente verificável da vida de Jesus, mas não chega à fé nele porque não acredita na Ressurreição, que não pode ser constatada e demonstrada. A consequência deste conhecimento incompleto é a tristeza. Sem a fé na Ressurreição, as derrotas permanecem derrotas, a vida termina com a morte, é uma tragédia sem sentido” ( Fernando Armellini).

 

Então, Jesus começa a explicar as Escrituras e atravessando toda a história da Salvação sublinha todas as passagens que Lhe diziam respeito. Esta Palavra desvelada e, já em casa dos discípulos, quando Jesus toma o pão e o vinho e recitou a bênção fez com que os discípulos percorressem o caminho do Ressuscitado. Qual a mensagem deste trecho do Evangelho de Lucas? Fernando Armellini escreve que “os olhos do cristão abrem-se e reconhecem o Ressuscitado durante a celebração litúrgica dominical”.

 

Quem faz a experiência de Jesus Ressuscitado não a pode guardar para si próprio. Vai a correr contar aos outros, partilhar com todos, partilhar com a comunidade. Regressaram assim a Jerusalém para contar aos onze. Encontravam-se reunidos em comunidade quando Jesus voltou a surgir no meio deles. É sempre em comunidade que reconhecemos Jesus ressuscitado nos gestos celebrados e nos sacramentos vividos. A minha fé só faz sentido quando vivida em comum com a comunidade, em comum união com a assembleia eucarística, em comunhão com os meus irmãos e irmãs na fé em Jesus Cristo o Vivente e que faz caminho connosco explicando o sentido das coisas, imprimindo esperança no nosso longo caminhar e por fim dar-se em alimento na Palavra, no Pão e no Vinho da Eucaristia.

 

Depois do encontro com Jesus ressuscitado surge a exclamação “Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” “O dom do encontro com o Senhor é o ardor da alma. Efrém, o Sírio, empresta a Jesus estas palavras: «Quem me come, come o fogo!» Recber Cristo é sermos habitados por um calor, por uma chama, pelo dom intermitente, talvez, mas fabuloso, de um coração inflamado” (Ermes Ronchi).

Nuno Monteiro

Redator Liturgia.

Professor de EMRC. Adora viajar! Caminhante de Santiago de Compostela e Terra Santa.

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