V(o)amos?!

Às vezes, inunda-nos uma vontade de começar tudo outra vez. Arrancar todas as certezas e tudo o que está enraizado e amanhecer. Provar a vida pela primeira vez e ter consciência disso. Às vezes, afoga-nos uma vontade de deixar tudo para trás para não sermos de ninguém. Nem sequer do mundo. Prender as malas às costas e atravessar pontes a arder só pelo simples facto de o querermos fazer. Às vezes, os olhos fecham-se e vivemos a vida toda de uma vez só. Somos engolidos pelas aventuras que já vivemos, pelas pessoas que nos amaram e por aquelas que deixámos escapar. Às vezes, somos assaltados por uma vontade feliz de não ter medo de nada. De arriscar. De soprar as palavras de quem não nos julga capazes. Às vezes, temos um vento frio dentro do peito que nos obriga a desinstalar e a desarrumar a vida toda. Outras, somos acalentados pelo rasto do sol e do céu e deixamo-nos estar. Exatamente assim. Quando foi que ficámos tão preguiçosos? Quando foi que desistimos das alternativas e dos caminhos por onde nunca ninguém andou? Quando foi que decidimos que nos bastavam os dias que percorremos sem viver? Quando foi que pusemos fim ao que ainda não começou porque alguém nos convenceu? Quando foi que ficámos todos iguais uns aos outros? Quando foi a última vez que quisemos conhecer alguém de verdade? Não sei. Mas eu tenho a sensação que está tudo errado. Está tudo demasiado calmo na vida que escolhemos manter. Está tudo calado dentro dos dias onde vamos passeando sem ver nada. Eu não quero uma vida assim. Quero olhar para trás e sentir que valeu a pena arriscar tudo. Olhar para as pessoas que amo e ter a certeza que me conhecem porque eu deixei que assim fosse. Quero fazer da vida uma festa e de cada dia uma novidade inacreditável. Quero abrir as feridas do mundo e enfiar-me dentro delas para que, também por minha culpa, alguma dessas fique mais pequena. Quero a liberdade de quem está sempre de partida e de quem, ao mesmo tempo, já chegou a casa. Quero aprender a rir-me de coisas que um dia me fizeram chorar muito. Quero que a vida me dê um pontapé quando eu me esquecer do mais importante. Quero que os meus sonhos nunca acabem.

Às vezes, inunda-nos uma vontade de começar tudo outra vez. Vamos a isso?!

Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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