Ser simples é complicado

A simplicidade é o mais elevado grau de sofisticação".

Leonardo da Vinci

 

Na semana em que se celebrou o treze de maio, passei os olhos novamente pelos acontecimentos e pela mensagem de Fátima. Há uma palavra que me ficou na mente, para além da oração, conversão e reparação: a simplicidade, quer da mensagem, quer dos três pastorinhos.

 

Mas já dizia Amália: é tão difícil ser simples. É que, bem vistas as coisas, a simplicidade não é apenas descomplicar, pois nessa altura já nós as complicamos previamente. E deve ser por isto que nós adoramos complicar, pois quando tudo parece simples, desconfiamos e vamos descobrir onde é que falhamos para não teros visto a parte complexa da situação. E, se por acaso, no final dessa demanda exaustiva de releitura de linhas e entrelinhas, ainda tudo parece simples, não vamos ficar descansados pois certamente está-nos a escapar qualquer pormenor. Parece que nos dá algum prazer adicional.

 

Desconfio que, ironicamente, há um certo comodismo nesta enorme trabalheira de complicar o que é simples: sempre será mais fácil justificar os fracassos, encarar as derrotas, justificar os nãos. Por que se, ao invés de complicado, afinal tudo fosse simples, seríamos violentamente confrontados, e com alguma frequência, com os nossos limites, pois no fundo teríamos de reconhecer a culpa nos fracassos, nas derrotas e nos nãos, sem o alibi forjado numa tentativa complicada de desculpabilização.

 

Às vezes a simplicidade mete medo, pois exige transparência e honestidade a todos os níveis… e isso seria tornar-nos fracos! Assim, complicamos relações, aspirações, sentimentos, atenções e intenções.  Complicamos o que é simples. É tão difícil encarar a simplicidade, que até nem acreditamos quando a vislumbramos. Pensamos que é impossível que assim seja e que devemos estar a sonhar… que nada é fácil. E lá vamos nós complicar um bocadinho…

 

É tão complicado amar simplesmente, aceitar o outro simplesmente, quiçá “desamar” simplesmente, seguir em frente simplesmente… A verdade é simples, tal como o amor. Quanto mais se mascara a verdade e se complica o amor, mais distantes estamos deles. Até podemos ter a ilusão de uma boa intenção nesta forma de complicar, pois a simplicidade pode ser contundente para mim e para o outro, pode fazer doer, pode abrir cicatrizes. Quando estamos embrenhados numa realidade, perdemos a noção do todo e da nossa posição relativa e criamos a ideia de que o todo se joga naquele nosso pequeno mundo que tentamos controlar e explicar. Nesta pequena mundividência passa a fazer sentido nem sempre respeitar a simplicidade das coisas em nome duma pseudo-genuína preocupação com os outros mas que não passa dum enorme egoísmo para nos proteger à massada de assumirmos os limites e as culpas.

 

Ser complicado é fashion! Até por uma questão de “marketing” pessoal fica bem ser-se complicado, parece sinal de inteligência alguém que se apercebe de que tudo não passa de um sistema de teorias da conspiração interligadas, alguém que não se dá a conhecer como forma de se fazer temer… Alguém que é simples, transparente corre o risco de ser considerado “básico”, “primitivo”, fora de moda. E que dizer da rudeza de olhar nos olhos quando se fala?!?

 

A confusão latente entre simplicidade e simplismo parece afirmar como via mais segura a da complicação. No amor então nem se fala. Além de querermos ver o que há de mais complicado no outro e em nós, cultiva-se a complicação. Se nos mostrarmos simples achamos que corremos o risco de parecer desinteressantes ou de ficarmos nas mãos do outro. Hummm! Mas não é isso mesmo que se pretende quando se ama?! Não é estar nas mãos do outro, não para nos anularmos, mas para amarmos e sermos amados. Não é para colocar a nossa felicidade na dependência e contingência do outro, mas por sabermos que poderemos ser ainda mais felizes com o outro. Suponho que é por estas e por outras que o facebook tem uma tipologia de relação, para além das habituais solteiro, noivo, casado, numa relação, a inovadora… é complicado!!!

 

Parece que ser complicado é bem mais simples!

 

Há quanto tempo não se simplifica?!
- Ser simples é abrir mão do velho e abraçar o novo;
- Ser simples é gostar do que se tem mesmo quando não é novo;
- Ser simples é chorar sempre que quiser e rir só porque apetece;
- Ser simples é levar-se a sério sem medo de errar;
- Ser simples é conhecer-se sem medos e sem reservas;
- Ser simples é dar-se a conhecer sem receios;
- Ser simples é elogiar e corrigir;
- Ser simples é comemorar cada data e cada conquista;
- Ser simples é agradecer cada detalhe;
- Ser simples é estar disponível para aceitar e acolher o inesperado;
- Ser simples é ter fé e confiar.

 

A vida é simples!

 

Deus é simples!

Paulo V. Carvalho

Cronista.

Licenciado em Teologia. Pós Graduação em doutrina e ética social. Mestrado em Informática Educacional. Especialização em Educação Especial. Professor. Gosta de desafios.

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