Porco. Porco. Porco.

- Estou triste! Muito triste mesmo! Oh! Desolado! – comentou o porquinho Babe para o seu grande amigo rex, o cão pastor.

- Amigo porco, não fiques assim, é apenas um mau momento. Voltarão atrás... Vais ver... – disse o rex.

- Shiuuu! Fala baixo! Disseste “porco”! Tu tás maluco ou quê?!? – interrompeu bruscamente o porquinho babe.

- Desculpa! Esqueci-me! Eles são muito complicados: em nome de uma liberdade, até agora, para uns eras um animal impuro; a partir de agora, para os outros, passa a ser proibido sequer escrever o nome da tua espécie! – concluiu tristemente o amigo rex.

 
Até para uma fábula este diálogo seria demasiado estranho, não?!
 
Mas ao ler uma das notícias de hoje, na sequência do debate posterior aos atentados de Paris e do enorme show-off sobre quem será o maior defensor da liberdade de expressão, sem limites nem barreiras, mesmo com telhados de vidro, não consegui lembrar-me de nada mais surreal. Para não ferir suscetibilidades, a Oxford University Press decidiu que nem porcos, nem salsichas, nem outros derivados do animal devem ser referidos nas suas publicações para não ofender nem judeus, nem muçulmanos. Coisa que nem os interessados perceberam.
 
Esta triste notícia revela o desnorte que se vive hoje também da parte de quem defende a liberdade de expressão. A liberdade nunca foi fácil... Nem em teoria!
 
Instintivamente, seria o único e supremo valor universal que satisfaria o ego de qualquer ser humano, sem limites nem barreiras, e que todos desejaríamos. Racionalmente, percebe-se a impossibilidade da convivência humana se assim fosse.
 
Perante esta impossibilidade, optamos por, esporadicamente, em tempos, lugares ou acontecimentos específicos, concentrar aí toda a liberdade, sem limites, desprovida até de razão.
 
Defendeu-se por estes dias a liberdade de expressão como o único valor universal a ser respeitado. Fazem-se manifestações em seu nome como se nunca tivesse havido passado ou como se não nos comprometesse com o futuro.
 
Mas quando passa a euforia extasiante do momento, quando a liberdade conhece o respeito, a justiça, a caridade, quando se torna limitadamente humana, outra vez, e se confronta com os interesses mesquinhos, o poder, o dinheiro, os favores, recomeçam os dilemas e surgem as incongruências de quem se desmente e defende o que é e o seu contrário.
 
Só assim compreendo que a liberdade de expressão cegamente defendida e quase heroicamente personalizada no Charlie Hebdo, não seja a mesma que tolerantemente devia ter aceitado o terrível humor de Dieudonné,franco-camaronês que já foi acusado de antissemitismo, e escreveu no Facebook "Sinto-me Charlie Coulibaly", usando o apelido do terrorista que matou quatro pessoas no supermercado kosher. E que dizer no caso do bullying?! Não será apenas uma mera questão de liberdade de expressão, nos casos em que não há agressões físicas?!
 
Qual a escala de medida pela qual se rege a bitola da liberdade de expressão para aceitar ou condenar?! Os meus valores pessoais? Os do meu país? Dos países que tenham o PIB mais elevado? Dos que têm petróleo? Dos que têm mais e melhor acesso aos media? Dos que conseguem aterrorizar mais?
 
Não será com o reforço da segurança interna, o fecho das fronteiras, o aumento da xenofobia, ou proibições de palavras que se surgirá uma outra realidade... Não passa de uma tentativa vã de escondê-la, mantê-la longe, lá longe onde outros, muitos, sofrem essas consequências...
 
Sem a aceitação livre da universalidade de certos valores inalienáveis não é possível ultrapassar o relativismo omnipotente, baseado numa falsa e enganosa ideia de liberdade, revestida de poder, que em última instância levará apenas à extinção, seja porque nos aniquilamos, seja porque fechamos os olhos aos genocídios que se sucedem mudos quase diariamente.
 
Fica a sugestão de uma vivência mais consciente da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2015 que acontece entre 18 e 25 deste mês com o tema «Dá-me de beber!» (João 4,7).
 
Que o exemplo comece por nós!

 

Paulo V. Carvalho

Cronista.

Licenciado em Teologia. Pós Graduação em doutrina e ética social. Mestrado em Informática Educacional. Especialização em Educação Especial. Professor. Gosta de desafios.

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