É preciso tempo. Ou dar-se tempo. É preciso silêncio. Ou dar-se silêncio. Mesmo no quotidiano. Sem dramas ou dificuldades, ao jeito de terra que depois do pousio é observada, abrem-se dias de perguntar: Quem fui? Quem sou? Quem quero ser? Um percurso de escuta atenta aos passos. Aqueles que trouxeram ao dia de hoje a beleza da história. Provavelmente com manchas que envergonham, com o peso de decisões, palavras e gestos menos felizes, mas com a possibilidade de reencontro. Daí as perguntas, que mais que fechar, fazem abrir caminho. A existência é marcada pelo amor de Deus e pelo Seu desejo de que cada qual seja plenamente vivo. Para isso, surge a oportunidade destes 40 dias que convidam à liberdade, renovando a possibilidade de dizer-Lhe: “Aqui estou, como sou!”. As palavras chave diante deste olhar divino que está disposto a acompanhar são, entre outras, a misericórdia,  a ternura e o “desejo-te livre”. 

É preciso tempo. É preciso silêncio. Ambos para a escuta desse diálogo entre quem ama e é amado. Ambos para dar espaço ao reencontro. Ambos para possibilitarem a entrega de um ao outro. E aos poucos viver-se-á o que agrada ao Senhor: quebrar as cadeias injustas, desatar os laços da servidão, pôr em liberdade os oprimidos, destruir todos os jugos, repartir o pão com o faminto, dar pousada aos pobres sem abrigo, levar roupa aos que não têm que vestir e não voltar as costas ao semelhante. Então a luz de cada qual despontará como a aurora e as feridas não tardarão a sarar. E nessa presença, ouvir-se-á da parte Deus, como resposta: “Também aqui estou!”. [Cf. Is 58, 6-9a]

Foto: Alfred Eisenstaedt