Como definir prioridades, em pleno século XXI

Vivemos numa sociedade que consome avidamente os nossos dias, sem que nós tenhamos consciência disso. Recebemos solicitações de todos os lados e de várias dimensões. O telemóvel não para de tocar com notificações relacionadas com a vida de todos os que nos rodeiam, a televisão tenta incessantemente apoderar-se da nossa atenção para mais um noticiário dramático e a internet chama por nós, com os sites e blogs a precisarem que os olhemos e partilhemos para que possam sobreviver. No topo disto tudo, temos a nossa vida: família e, claro está, trabalho. Ora, é por de mais sabido que, a este respeito, vivemos numa verdadeira sociedade meritocrata e adepta da excelência. De acordo com os discursos motivadores e pseudo-inspiradores dos nossos patrões, líderes ou governantes, a cada dia temos de nos conseguir exceder. Há que produzir mais e melhor, temos de provar quotidianamente que conseguimos ultrapassar o nosso colega do lado, pois só assim seremos reconhecidos, só desta forma subiremos na vida e melhoraremos as nossas condições. Pois bem, eu, com a minha costela diletante de um verdadeiro Carlos da Maia acabadinho de sair da obra mor de Eça, acho tudo isto um grandessíssimo saco cheio de nada, aquele tipo de palavreado que não encontra simpatia em mim. 
 
Desde novo que considero possuir algumas boas virtudes e alguns bons defeitos (sim, os defeitos também servem para alguma coisa boa). Nem mais, nem menos que as outras pessoas, apenas aqueles que definem a minha personalidade e que, no seu conjunto, me fazem ser quem eu sou. Também desde muito cedo percebi que, como toda e qualquer outra criatura, sou limitado e as minhas capacidades são finitas. Assim, ainda durante a minha juventude concluí que tinha de tomar uma decisão, sabendo que essa decisão definiria, de certa forma, a minha vida futura. Como não me considerava um génio ou um predestinado, sabia que para ser excelente em algum domínio da minha vida, teria de quase abdicar dos outros. Por outras palavras, para ser o melhor profissional, teria de me contentar em ser um amigo de ocasião, um filho desinteressado e um marido e pai ausente, além de que me sentiria, enquanto ser humano, incompleto. A excelência tinha um preço e eu não estava disposto a ficar à espera de um desconto. Então, no pleno da maturidade dos meus 16 anos, decidi que, se eu possuísse cinco candeeiros para acender e uma quantidade limitada de energia, eu não iria utilizá-la num só candeeiro que ofuscasse todos os outros, mas sim, reparti-la-ia pelos cinco, ainda que, desse modo, a luz não brilhasse de maneira tão intensa. 

 

Quinze anos depois, sou um profissional razoável com consciência de que poderia ser melhor, um amigo que está presente na vida dos meus amigos e um marido que, apesar de ainda estar a aprender o que isso é, tenta fazer a sua esposa feliz. Além disso, o meu sofá nunca se queixará de solidão, pois não há um dia que não lhe faça companhia durante um bom período.

 

Sei que o poeta diz "Para seres grande, sê inteiro", no entanto, nesta sociedade que pede tanto de nós afirmo que temos de sabiamente escolher as nossas prioridades e escolher quais as aplicações da minha vida devo desinstalar ou, pelo menos, pôr em stand-by. Por isso, digo abertamente que não há excelência na minha vida, não há perfeição em nenhuma das suas dimensões, tento, sim, que haja equilíbrio, realização pessoal e felicidade. Para mim e para os que me rodeiam.  

António Mota

Professor de Português e Inglês, adora correr, ler, escrever, ouvir música, mas acima de tudo refletir sobre as nossas relações com os mais próximos. Sente-se grato pelas suas capacidades e limitações e descobriu que a melhor forma de expressar essa gratidão é potenciar essas capacidades em tudo o que faz, para trazer a felicidade aos que o rodeiam.

 

 

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