A vida passa a correr...
Este chavão já está gasto por tanto o usarmos. Porém, é a realidade. E voltei a pensar nele depois de ver na TV que uma empresa ferroviária anda nestes dias a distribuir alguns alimentos para que "sirvam" de pequeno almoço para os utentes. Eram sete da manhã e muitos, dos entrevistados em direto, não tinham comido nada. Não pretendo julgar aquelas pessoas. Não imagino o que as leva a sair de casa sem comer. Interrogo-me apenas... Que vida é esta que levamos? E corremos tanto por quê e para quê?
Acordamos cedo. Corremos para o trabalho. Alguns ainda passam pela escola para deixar os miúdos. Depois do trabalho corremos para buscar as crianças na escola ou algures em atividades extracurriculares. Há que jantar e tratar dos trabalhos domésticos. Cama porque a alvorada será de novo bem cedo. Quando chega o fim de semana, enchemo-nos de atividades que visam "descontrair" da semana stressada. Ouço tantas vezes outro chavão: "em piloto automático"...
No meu contato com os jovens universitários ou em início de carreira profissional, sinto-os tantas vezes angustiados com o futuro. Aviso-os do "eterno retorno". Por que estudam? Por que trabalham? Porque, geralmente, as respostas são sempre as mesmas: um "tal futuro" melhor... Que me interessa um futuro melhor se não consigo viver um presente bom? Que me interessa estudar para ter uma boa carreira profissional e depois constituir uma família com filhos, que por sua vez, voltam aos estudos para terem uma boa profissão e, assim, constituir família?
Vivemos numa sociedade que caminha para a alienação: a vida perfeita! E esta perfeição, parece que se obtém apenas com dinheiro. Com muito dinheiro. Com este posso ter tudo. A casa perfeita; o carro perfeito; as férias perfeitas; o corpo perfeito... O Papa Francisco diz-nos que vivemos na idolatria do dinheiro: «A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano.» E.G. 55
Um amigo meu costuma definir um outro amigo que temos em comum assim: «O Lúcio, nome fictício, é tão pobre, tão pobre, que só tem dinheiro...» Sim. Este nosso amigo aspira ter uma vida tão perfeita que parece inatingível... Numa vida tão perfeita não há espaço para o ser humano que é humano. Ou seja, a imperfeição contraria este ideal de perfeição. E nós somos imperfeitos. Somos limitados.
Não tenho soluções para uma mudança radical deste modo de vida. No entanto, ao meditar sobre o evangelho deste fim de semana, entrevejo uma via, uma atitude: reconhecer como o publicano, que não somos e jamais seremos perfeitos. Só assim e talvez, saibamos para onde corremos e que futuro queremos.
Deixo-vos as palavras de D. António Couto, bispo de Lamego. «A intenção de Jesus é que a parábola (do fariseu e do publicano) nos atinja a nós, e dissolva o orgulho e a arrogância que nos habitam e orientam a nossa vida, quer na nossa relação com Deus, quer na nossa relação com o próximo.»
Uma boa semana.
[Foto: DR]