SÃO PRECISOS RITUAIS
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa.
Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz.
E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei.
Às quatro em ponto já hei de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade!
Mas se chegares a uma hora qualquer,
eu nunca saberei a que horas é que hei de começar a arranjar o meu coração,
a vesti-lo, a pô-lo bonito...
São precisos rituais.
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho
Há livros e histórias que nos marcam. E há livros e histórias que marcam muita gente. O Principezinho é uma dessas obras que fazem parte da memória coletiva da humanidade. Já tive o prazer de ler e reler alguns excertos em diferentes alturas da vida e, em cada uma delas, foi uma novidade… Na semana passada acompanhei alguns alunos ao teatro para assistir à encenação desta obra. Fui surpreendido mais uma vez! Ainda bem!
Desta vez parecia que foi de propósito, uma espécie de mensagem subliminar. Fez todo o sentido revisitar o principezinho no início do Advento. A importância da preparação para os momentos especiais da vida foi um alerta que soou.
Por um lado, a existência de momentos únicos e especiais dá sentido à rotina quotidiana, mas por outro lado, levanta alguns problemas… É que a necessidade de permanente fruição do momento parece que se converteu num dogma da sociedade moderna, o que não estaria assim tão errado, não fosse cada momento ter de ser vivido num máximo de excitação sensorial, ou seja, “TOP”! E que dizer da enorme dificuldade na gestão das espectativas?!
A felicidade é vida mas também é ideal. Ao aproximar-se um desses gratos momentos em que seremos particularmente felizes, a ansiedade é natural e só sublinha a importância e o sentido do encontro, da visita, do presente, da família, etc... Quando nos encontramos no limiar da felicidade, criam-se expetativas, alimentam-se sonhos, achamos possível a realidade de sempre passar a fazer parte de um sonho…
A capacidade pessoal de gerir estas expetativas é uma sabedoria que se vai adquirindo com a vida. Quando eramos crianças, pensávamos como crianças, como dizia Paulo, mas… manter a inocência de uma criança não significa continuar a ver a vida e o mundo da mesma maneira. As expetativas, sejam altas, baixas, simplesmente não as ter… são meras formas de encararmos esta realidade. Mas não é indiferente tomar uma ou outra opção, se é que podemos chamar opção a uma atitude quase irracional que nos invade: seja por necessidade de nos protegermos pois já nos magoamos com expetativas frustradas, seja por necessidade de nos alienarmos pois não encontramos sentido na realidade das coisas, seja porque nem nos apercebemos desses momentos…
O Principezinho ensinou-me, desta vez, que vale a pena o momento de espera e o esforço de preparação para o que vale a pena. Dá trabalho, sim, mas acima de tudo, ganha sentido! Só um advento entendido nesta perspetiva ganha sentido e permite dar mais sentido Natal, vivendo a alegria diária de quem se ente feliz só pelo simples facto de saber o Natal está para chegar, onde ainda seremos mais felizes.
A vida não para, os momentos passam… ser feliz não pode passar apenas por querer permanecer eternamente num momento perfeito ou num local ideal, é também a felicidade vivida na expetativa da própria felicidade. Não podemos reduzir a felicidade aos momentos, nem exclui-la para uma realidade futura e incerta. Não podemos correr o risco de perder-nos na fruição de cada momento do caminho, no puro carpe diem, e converter cada momento como um fim em si próprio… É urgente entender que é um equilíbrio sempre em construção de infinito encarnado no tempo e no espaço que nos permite estar no mundo sem ser do mundo.
De que outra forma poderemos então ser sinal, ser luz, ser sal?!?