Conto: MARIA E A SUA MELHOR AMIGA, SARAH

De entre toda a miudagem do lugarejo, Sarah era a amiga especial de Maria. Os pais das meninas eram vizinhos e achavam graça à cumplicidade que as duas filhas sempre haviam revelado desde pequeninas. Joaquim e Ana e Mateus e Raquel eram pessoas de fé e tinham pedido muito a Deus que os abençoasse com o dom de um filho e, por coincidência, Maria e Sarah nasceram na mesma semana.

 

Para tristeza de Mateus e Raquel, Sarah havia nascido muda mas isso não a impedira de ser uma menina absolutamente normal em tudo o resto. Talvez por causa dessa limitação, Maria sentia uma predileção e um carinho ímpares pela Sarah e sempre se preocupava por ajudar a vizinha em tudo quanto fosse preciso.

 

Brincavam em casa uma da outra, passeavam juntas por Nazaré, gostavam de ir na companhia uma da outra à escola, à catequese e à oração na sinagoga. Maria conhecia e compreendia tão bem Sarah que, na verdade, nem eram necessárias as suas palavras. Sarah escutava com tanta estima e amizade a amiga Maria que achava que o seu silêncio e os seus olhos eram a melhor linguagem que poderia existir.

 

Toda a gente admirava a amizade singela das duas vizinhas e apreciavam a alegria com que viviam as coisas simples do quotidiano, a forma como respeitavam e ajudavam os pais e a maneira cristalina como amavam e eram tementes do Deus Altíssimo.

 

Um dia, Maria bateu à porta da casa da Sarah e disse-lhe que queria falar com ela. Sarah nunca tinha visto a amiga tão sobressaltada e, ao mesmo tempo, tão feliz. Contou-lhe que durante a noite, enquanto rezava as suas orações, recebera a visita surpreendente de um anjo que lhe dissera:
- Salvé, ó cheia de graça, o Senhor está contigo! Não tenhas receio, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo.

 

A Sarah ficou eufórica pois percebera a inefável honra e graça que tinha sido concedida por Deus à sua melhor amiga. Maria explicou que ficara confusa mas não podia deixar de confiar em Deus e nos seus desígnios e respondera-lhe que era a serva do Senhor e que se fizesse nela a vontade do Senhor.

 

Sarah lembrou-se do namorado da amiga mas Maria estava tão fora de si que nem pensara em José e somente se preocupara em partilhar a sua felicidade com a sua melhor amiga. Era incrível ter sido escolhida por Deus para ser a mãe humana do Emanuel, o Messias tão desejado pelo povo de Israel. O Deus omnipotente, omnisciente e omnipresente escolhera-a para ser a ponte com a humanidade, o tempo e a história e nela iria encarnar o Seu Filho.

 

Umas semanas depois, Sarah teve que ficar, pela primeira vez, algum tempo sem a sua amiga Maria. Ia ausentar-se pois a sua prima Isabel, que vivia a alguma distância de Nazaré, entre as montanhas, estava grávida e precisava de ajuda. Quando regressou a Nazaré, mal cumprimentou os pais, foi logo visitar a Sarah. Após um interminável abraço, as duas raparigas sentaram-se com as mãos dadas e Maria contou-lhe que, mal chegara a casa da prima, ela ficou tão feliz que sentiu o seu filho saltar de alegria no seu seio e disse:
- Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?

 

Maria respondera:
- A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador. Porque olhou para a humilde condição da sua serva. De facto, desde agora todas as gerações me hão de chamar ditosa porque me fez grandes coisas o Omnipotente.

 

Sarah continuava apreensiva pois Maria ainda não havia casado com José e ainda não viviam juntos e já era bem evidente a sua barriga a crescer. O facto era já motivo de comentários entre a população e a verdade é que José não sabia o que fazer.

 

Alguns dias depois, Maria contou a Sarah que já tinha falado com o namorado e ele tinha compreendido tudo. Na verdade, José, que era um homem bom e justo, amava-a tanto que não queria difamá-la e resolvera deixá-la em segredo mas um anjo havia-lhe aparecido em sonhos e dissera:
- José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e pôr-lhe-á o nome de Jesus pois ele salvará o povo dos seus pecados.

 

Com tudo esclarecido e para alegria das famílias de José e Maria, teve lugar o casamento, segundo os rituais tradicionais e Sarah foi uma das madrinhas. Apesar de casada, Sarah visitava frequentemente a sua amiga e ajudava-a nas lides da casa pois cada vez se tornava mais difícil à amiga tratar de tudo em virtude do adiantado da gravidez e porque José tinha cada vez mais trabalho na sua carpintaria dada a competência e perfeição com que fazia os seus trabalhos.
 
Tudo se veio a complicar com um édito de César Augusto que exigia o recenseamento de toda a gente. José, por ser da casa e linhagem de David, teve que ir com Maria a Belém. Quando chegaram à cidade de David, Maria estava mesmo a ponto de dar à luz e o problema era que não havia quartos disponíveis, tal a enorme afluência de gente por aquela ocasião na região. A solução encontrada foi uma grutinha que servia de curral a um pastor. Então, Maria deu à luz Jesus, envolveu-o em panos e recostou-o numa manjedoura.

 

Passados uns dias, a notícia do nascimento do menino de José e Maria chegou a Nazaré e Sarah pôs-se imediatamente a caminho de Belém. Quando lá chegou, Maria não coube de si de alegria e contou-lhe todas as peripécias dos últimos dias. Contou-lhe que uns pastores ali haviam estado, depois de terem sido avisados por um anjo de que tinha nascido o Salvador, que era o Messias Senhor e tinham dito coisas fantásticas do menino.

 

Maria também se referiu à visita surpreendente de três magos que haviam vindo do Oriente guiados por uma estrela e que já tinham estado no palácio do rei Herodes. A estrela parara por cima do lugar onde nascera Jesus e os eles, entrando, haviam-se prostrado e adorado o menino, oferecendo-lhe ouro, incenso e mirra.
 
Maria disse a Sarah que, sem perceber muito bem tudo aquilo que estava a acontecer, conservava todos aqueles acontecimentos e palavras, meditando-as no seu coração. Sarah fazia o mesmo.
 
Cumprindo a lei de Moisés, José e Maria levaram Jesus a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor no templo. Sarah ficou a assistir ao ritual um pouco mais afastada e chamou-lhe a atenção a chegada de um idoso que, pegando no menino nos braços, louvava a Deus e conversava com José e Maria. No final da celebração, a curiosidade de Sarah foi desfeita quando Maria repetiu umas palavras enigmáticas do velhinho que se chamava Simeão:
- Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma, a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações.
 
Os primeiros tempos de vida do menino de Maria e José estavam a ser atribulados e mais ficaram quando tiveram que ir para o Egito pois o rei Herodes queria matar-lhes o filho. De regresso, após a morte de Herodes, Maria explicou a Sarah que um anjo havia aparecido a José em sonhos e lhe dissera que fugissem e permanecessem no Egito até à morte do soberano. Sarah aproveitou para dar a entender a Maria que Herodes cometera a crueldade de mandar matar todos os meninos da região com menos de dois anos.
 
O menino de Maria e José ia crescendo e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria e a graça de Deus estava com Ele. Aos doze anos, foi com os pais e Sarah a Jerusalém por ocasião da festa da Páscoa e, no regresso a casa, José e Maria deixaram de ver o menino. Procuraram-no junto de Sarah e entre parentes e conhecidos e decidiram voltar a Jerusalém pois ninguém sabia dele e só o encontraram no templo a conversar com os doutores da lei. Todas as pessoas que ali se encontravam estavam espantadas com a sua sabedoria e com as perguntas que fazia e com as respostas que dava e Maria interpelou logo a Jesus:
- Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura.

 

O menino, com a esperteza e serenidade habituais, disse-lhes que não havia motivo para tanta preocupação pois eles deviam saber que ele gostava e tinha que estar na casa do seu Pai. Sem perceberem muito bem aquela resposta, Sarah deu-lhe um abraço e puxou-o para junto dos pais. Depois, voltaram a Nazaré, e Maria não parava de meditar todas aquelas coisas no seu coração.

 

Uns anos mais tarde, Maria ficou viúva e continuou a viver com o filho na mesma casa. Quando Jesus fez trinta anos, decidiu sair de casa e durante três anos andou com um grupo de doze amigos a anunciar o Evangelho e a falar do Reino de Deus.

 

Todos se admiravam com o que fazia e dizia pois muitos conheciam a sua família. Quando lhe faziam referências à mãe, dizia que quem fizesse a vontade de Deus, esse é que era seu irmão e sua mãe e mais felizes do que as entranhas que o trouxeram ou os seios que o amamentaram eram os que ouviam e observavam a Palavra de Deus.

 

Sarah estava frequentemente com Maria que queria acompanhar o filho sempre que fosse possível por onde quer que ele andasse. Em Canã da Galileia, por ocasião de um casamento, Jesus, a pedido da mãe, transformou água em vinho e Sarah, que também tinha ido à boda tal como os discípulos, nunca mais esqueceu o que a amiga disse aos serventes, naquele que foi o primeiro milagre do nazareno:
- Fazei tudo o que ele vos disser.
 
Os últimos dias de vida de Jesus foram vividos de forma inenarrável por Maria e apenas Sarah dava o consolo possível a uma mãe que acompanhava dolorosa o seu filho condenado à morte a caminho do Calvário com a cruz às costas. Já crucificado, Sarah conseguiu ouvir Jesus dizer à sua mãe e ao seu discípulo João:
- Eis aí o teu filho… eis aí a tua mãe…
 
Pelas três horas da tarde, Jesus dava o seu último suspiro. Maria já não tinha lágrimas e vivia tudo aquilo numa dor silenciosa e serena inefável, com a sua irmã Maria, a mulher de Cléofas, Sarah, João e Maria de Magdala. Jesus foi sepultado e ao terceiro dia ressuscitou, como havia prometido. A notícia espalhou-se rapidamente para alegria inaudita de Maria, de Sarah, dos discípulos de Jesus e de todos os que se afirmavam cristãos.
 
Jesus ressuscitado deu a honra da sua primeira aparição à sua mãe e isso comoveu-a e alegrou-a profundamente e, uns dias depois, ouviu-o prometer a vinda do Espírito Santo e, depois, com um sorriso e lágrimas nos olhos, viu-o elevar-se ao céu. Maria perseverava na oração com Sarah e os discípulos do filho e, chegado o dia de Pentecostes, ouvindo uma forte rajada de vento e vendo umas línguas à maneira de fogo pousar sobre as suas cabeças, todos ficaram cheios do Espírito Santo.
 
Uns tempos depois, Sarah e todos os amigos de Maria e Jesus viram um grande sinal no céu: uma mulher revestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça. Sarah percebeu que a cheia de Graça merecera ser a primeira redimida em Jesus Cristo pela missão que assumira para a salvação da humanidade e, para surpresa de todos, conseguiu falar pela primeira vez e disse em jeito de oração:
- Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Ámen.

 

Paulo Costa

Conto.

O Paulo Costa é licenciado em Teologia e mestrado em Teologia Sistemática pela Faculdade de Teologia da UCP do Porto e tem uma Pós-graduação/Especialização em Educação Sexual pelo Instituto Piaget. É autor de alguns livros na área da Fé e Adolescência. É professor de EMRC no Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas. É um bloguer.

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