Conto: A FIGUEIRA DO JARDIM

O Raúl jamais recebera um presente de aniversário tão estranho. Num misto de pasmo e estupefação, o rapaz recebeu uma pequena figueira e era bem evidente alguma deceção com a insólita oferta dos pais, pois esperava uma das mil e uma coisas que tivera o cuidado de escrever numa lista que um mês antes colocara em cima da mesa da sala. O pai disse-lhe, enquanto entregava o vaso com a figueira com um catita laçarote vermelho:
 
- Olha, filho, este ano a tua mãe e eu quisemos dar-te um presente diferente. Já tens tantas coisas que já não dás valor a nada. Comprámos-te uma figueira. Não sei se sabes mas é uma das primeiras plantas cultivadas pelo ser humano e é a primeira planta descrita na Bíblia quando Adão e Eva se vestiram com as suas folhas ao tomar consciência de que estavam nus. Poderás achar este presente meio esquisito mas nós acreditamos que nunca mais o esquecerás ao longo da tua vida. Não fiques triste e confia em nós!
 
Aquilo tudo parecia demasiado excêntrico mas o Raúl lá agradeceu o presente e acompanhou o pai ao jardim para plantar a figueira. Cavaram um buraco, colocaram no fundo algum estrume e, enquanto o pai segurava a planta, o Raúl lançou terra com uma pequena enxada e regou a sua figueira.
 
De vez em quando, o Raúl ia ao jardim ver a sua árvore mas, como não tinha folhas, o seu aspeto não era nada interessante e estava desanimado com o presente extravagante que lhe coubera em sorte naquele ano. No entanto, sem dar por isso, o Raúl passava cada vez mais tempo ao lado da sua figueira para ver se a via a crescer e tornar-se mais viçosa.
 
Paulatinamente, começou a falar com ela e contar-lhe os seus segredos. Começou a ganhar-lhe afeto e a sentir que, entre as infindáveis árvores do mundo e entre as inumeráveis figueiras do planeta, aquela era a sua árvore, a sua figueira. Inexplicavelmente, aquele pequeno ser vivo tinha-o cativado e sentia-se responsável por ele.
 
O interesse e a preocupação pela sua figueira foi-se tornando tão especial que o Raúl quis saber mais sobre aquela espécie de árvore e, no meio de tantas informações mais ou menos científicas, uns dados chamaram-lhe especial atenção: o figo era considerado um fruto sagrado para os judeus, pois fazia parte dos sete alimentos que cresciam na Terra Prometida; debaixo de uma figueira, Buda encontrou a Iluminação; para os egípcios, gregos e romanos, os figos tinham uma importância gastronómica singular; os maias e astecas utilizavam a casca das figueiras para produzir o papel usado nos seus livros sagrados.
 
O Raúl ficara encantado com a relevância simbólica da sua árvore e não tardou em partilhar as suas pesquisas com o pai. O pai ficou contente com o seu entusiasmo e a mãe lembrou-se de um episódio bíblico em que Jesus amaldiçoara uma figueira por estar sem frutos e depois definhara e isso fora uma ocasião para falar da eficácia da oração.
 
Intrigado com aquilo, o rapaz foi buscar a Bíblia para procurar o tal trecho evangélico e foi ler-lhes em voz alta:
 
- «Ao voltar, logo de manhã cedo, para a cidade, teve fome. E vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se, mas não encontrou nela senão folhas. Disse então: ‘Nunca mais nascerá fruto de ti!’ E, naquele mesmo instante, secou a figueira. Vendo isto, os discípulos admirados, disseram: ‘Como é que a figueira secou subitamente?’ Jesus respondeu: ‘Em verdade vos digo: Se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que fiz a esta figueira, mas, se disserdes a este monte: Tira-te daí e lança-te ao mar, assim acontecerá; e tudo quanto pedirdes com fé, na oração, recebê-lo-eis’.
 
O Raúl ficou com pena da pobre figueira do tempo de Jesus e disse que jamais deixaria que a sua secasse. Pensou para si mesmo que iria rezar pela sua figueira todos os dias e que sempre que olhasse para ela lembrar-se-ia da importância de alimentar a fé com a oração sincera e confiante. As raízes da sua árvore lembrar-lhe-iam a relevância dos alicerces da casa da vida e os seus frutos recordar-lhe-iam a beleza da existência humana, vivida de acordo com os mais essenciais valores que a sua família que ensinara.
 
O pai ensinou ao Raúl como regar, adubar e podar a figueira e ela foi-se tornando, à medida que o tempo passava, progressivamente mais bonita e imponente. O rapaz aprendia cada vez mais com ela, extraindo lições de vida que não estavam tão claras nos livros. Tomou consciência do valor da paciência pois a vida acontece ao seu ritmo e apressar as coisas é queimar etapas e reconheceu a importância da poda que acontece também com o crescimento e amadurecimento humano para que eliminemos o que em nós é mau.
 
Valorizou a imprescindível adaptação da árvore à terra e ao clima que ensina a moldar-nos às características e vicissitudes da família, grupos e sociedade e despertou para a importância de uma saudável alimentação e manutenção da figueira que estimula a acolher as coisas e pessoas que nos fazem crescer, sermos felizes e realizar-nos em plenitude.
 
Com o decorrer dos anos, a figueira do Raúl tornava-se cada vez maior. Entre as 755 espécies de figueiras do mundo, achava a sua a mais admirável e formosa. A sombra que a sua copa frondosa fazia era uma maravilha nos tempos quentes do verão e até subia pelo seu tronco e ramos para brincar com os amigos. As suas raízes vigorosas espreitavam no relvado das redondezas e muitas eram as aves, morcegos e insetos que a visitavam, faziam ninho e comiam os seus figos dos ramos e do chão.
 
O Raúl dera-se conta, também, que as figueiras possuíam um dos sistemas de reprodução mais curiosos da natureza pois as suas flores, encerradas nos sicónios, não tinham contacto direto com o ambiente externo e, assim, o pólen não podia ser transferido de uma planta para a outra espontaneamente, havendo uma série de espécies de vespas polinizadoras minúsculas depositavam nelas os seus ovos.
 
Quando a figueira do Raúl dava frutos, os seus olhos brilhavam cheios de orgulho. Eram o sinal da vitalidade e fecundidade da sua árvore e o resultado feliz de mais um ano em que tratara com todo o cuidado e sabedoria da sua figueira. O rapaz apanhava os figos e tinha mais que muitos para dar e vender. A figueira carregadinha de figos ficava tão derreada com os seus ramos que quase tocava o chão.
 
Numa ocasião em que o pai do Raúl o vira a apanhar figos, disse-lhe:
 
- As pessoas são como as árvores. Tal como as árvores sem frutos apresentam os seus ramos altos e leves, as pessoas que não dão frutos e são egoístas são altivas, arrogantes e vazias. Os muitos figos da tua figueira não são para si mesma mas para os outros e, assim como ela está debruçada e quase de joelhos a oferecer os seus frutos, aprende a dar o melhor de ti mesmo aos demais, com generosidade e humildade. Assim como até os figos secos são bons, oferece o que és, mesmo quando aches que não serves para nada nem para ninguém.
 
A mãe do Raúl, apercebendo-se daquele diálogo e dos sábios conselhos do marido, aproximou-se e, pegando em três figos diferentes, acrescentou:
 
- Raúl, este figo podre poderia representar a vida que já passou e não foi bem aproveitada e agora é tarde demais e não há nada a fazer. Este figo verde que ainda não pode ser comido, representa a vida que ainda não foi vivida e há que esperar pelos momentos certos para acontecer. Finalmente, este figo maduro que pode ser comido neste momento, representa a vida que é um dom de Deus e merece ser saboreada com alegria e sem medo.
 
Aquele tipo de árvore lenhosa, com madeira macia, que podia ter entre 8 a 10 metros de altura, viver entre 80 a 100 anos e cujo fruto tinha propriedades tónicas, laxantes, cicatrizantes, emolientes e calmantes, apesar do seu silêncio, não se cansava de fazer eloquentes discursos existenciais impregnados de sapiência. Mais que falar, fazia. Mais que opinar, amava. Mais que dar, dava-se.
 
O presente que o Raúl recebera quando era pequenote, abriu-lhe novos horizontes e sentia-se eternamente grato aos pais. Aquela prenda tornara-se presente em cada dia da sua existência e, quando queria dar um presente a alguém, era sempre uma pequena árvore de fruto que oferecia.
 
E quase todos os dias, familiares, vizinhos e amigos viam o Raúl em amena cavaqueira com a sua figueira, ora sentado numa das suas raízes à sua sombra, ora caminhando à sua volta, ora abraçando-a.                                                                                                  

[photo credit: Enormous fig tree, Peradeniya Botanical Garden, Sri Lanka via photopin (license)]

Paulo Costa

Conto.

O Paulo Costa é licenciado em Teologia e mestrado em Teologia Sistemática pela Faculdade de Teologia da UCP do Porto e tem uma Pós-graduação/Especialização em Educação Sexual pelo Instituto Piaget. É autor de alguns livros na área da Fé e Adolescência. É professor de EMRC no Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas. É um bloguer.

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