Ano da Vida Consagrada: COMUNIDADE. COMUNHÃO DE AMOR EM CRISTO


«Pelo amor conhecerão que sois meus discípulos» (Jo 14,35)
 
 
 
Continuo a partilhar convosco a minha experiência pessoal na vida consagrada, tendo por base a comunidade religiosa a que pertenço, os Apóstolos de Santa Maria, de forte influência beneditina e onde a vida em comunidade tem especial relevo.

 

Esta vida comunitária tem uma base teológica, trinitária. A vida de relação das três Pessoas da Santíssima Trindade será o modelo mais perfeito da vida em comunidade. A vivência do mistério trinitário é a grande referência: «Que todos sejam um; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós. Que eles sejam um, como Nós somos um» (Jo 17,21-22).

 

«É a história de Jesus e do Seu grupo de amigos que o Evangelho nos conta. Tudo começou por este encontro de amizade, é preciso não o esquecer e a Boa Nova não se espalhará por toda a terra senão através de tais encontros de amigos. É normal: a Boa Nova é simplesmente esta, que Deus é amor» (F. Chalet, Flashes sur Jésus-Christ, 36). Por isso, uma comunidade religiosa, comunhão de amor em Cristo, implica forçosamente uma vivência de amizade entre todos os irmãos. Pretender amar a comunidade em geral, sob o pretexto de tratar a todos por igual, sem compreender que isso equivale a não tratar ninguém como se deve, é não perceber que o amor tem de se manifestar a nível interpessoal.

 

Foi Cristo quem nos escolheu e nos atraiu para O seguir e O amar. A comunhão de vida entre pessoas que não se conhecem é a prova mais forte de que Jesus é verdadeiramente Aquele que nos congrega e que dá alegria e sentido à vocação. Não vimos para a vida religiosa por quaisquer outros motivos (como sejam laços de parentesco, ideias ou gostos comuns...) senão pela pessoa de Jesus Cristo, que é o motivo único e fundamental da permanência numa comunidade. Não entramos propriamente para encontrar amigos, mas para encontrar o Amigo único, Jesus Cristo. A união com Cristo fará brotar laços sobrenaturais de amizade que aglutinarão os membros da comunidade numa comunhão de vida com o mesmo ideal e o mesmo carisma, num só coração e numa só alma (cf. At 4, 32).
 
Nenhuma comunidade ligada apenas por vínculos naturais poderá subsistir; é como a casa construída sob a areia. Em contrapartida, uma comunidade que supera os laços naturais e se liga por laços sobrenaturais terá possibilidade de sobreviver numa comunhão de amor em Cristo; é como a casa construída sobre a rocha... podem vir as tempestades (cf. Mt 7,24-55).

 

A comunhão entre os religiosos e Deus é o fundamento da unidade na comunidade. É no coração de Cristo que encontramos a força para amar a Deus e aos irmãos. «Há dois preceitos, mas um só amor» (Santo Agostinho, Tratados sobre o Evangelho de São João, trat. 87, I). A medida do nosso amor para com Deus está em proporção com a amizade que temos aos nossos irmãos, pois Jesus identifica-se com cada um deles: «Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim que o fizestes» (Mt 25, 40).

 

Na vida contemplativa, há uma fusão entre o amor para com Deus e para com os irmãos. O consagrado não deve hesitar em pôr no mesmo plano a relação com Deus e a relação com o próximo: como pretendes amar a Deus a quem não vês, se não amas o teu irmão a quem vês? (cf. 1 Jo 4,20). É de duvidar da autenticidade da oração de um religioso que não se relaciona com os seus irmãos nem lhes tem afecto. Se houver muita oração mas não houver comunhão fraterna, essa oração é utópica.

 

Não basta dizer que amamos, é preciso pôr o mandamento novo em prática, ou seja, manifestar com provas de verdadeira caridade que, a exemplo do Senhor Jesus que nos amou até ao fim, até à morte e morte de cruz, compartilharmos «os temores e as alegrias, as dificuldades e as esperanças, com o calor que é próprio de um coração novo que sabe acolher a pessoa inteira» (Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, Vida Fraterna em Comunidade, 25). «Amar é dar tudo e dar-se a si mesmo. (...) A caridade fraterna é tudo na terra. Amamos a Deus na medida em que praticamos a caridade para com os irmãos» (Santa Teresa do Menino Jesus).
 
A oferta gratuita do amor de Deus, derramado nos corações pelo Espírito Santo (cf. Rom 5,22), deverá levar cada irmão à disponibilidade sem reservas, à alegria que constitui fonte de novas vocações e sustentáculo para a perseverança, ao acolhimento, ao serviço dedicado; torna-se, assim, sinal de amor e de comunhão na construção da verdadeira comunidade. Manifestação explícita do amor de Deus, a alegria será um dos maiores testemunhos que um irmão pode dar da sua consagração. Nesta escola de amor, aquele que aspira à vida perfeita, jamais poderá esquecer que é sempre possível melhorar e caminhar em comunidade sabendo viver o perdão e o amor.

 

A unidade estabelece-se na reconciliaçâo (cf. ClC 602, PC 15). Assim, os irmãos devem suportar-se mutuamente, com a máxima paciência, apesar das enfermidades físicas e morais: «Revesti-vos todos de humildade nas relações mútuas de uns para com os outros, porque Deus resiste aos soberbos e dá a graça aos humildes» (1 Ped 5, 5).
 
«Sede bondosos e compassivos uns para com os outros, e perdoai-vos mutuamente como Deus vos perdoou em Cristo. Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados. Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo, que nos amou e Se entregou por nós, oferecendo-Se como vítima agradável a Deus» (Ef. 4,32-5,2). Esta caridade que nos impele é o sinal perfeito pelo qual todos reconhecerão que somos discípulos do Divino Mestre (cf. 2 Cor 5,14; Jo 13,35).

 

A comunidade religiosa deverá estar permanentemente compenetrada da presença de Deus no seu seio, de tal forma que todas as actividades não sejam senão um meio para o único fim: a união com Cristo pela fi. É impossível chegar à união com Deus por outro caminho que não seja o da fé ensinado por nosso Senhor e por outra atitude que não seja a do despojamento total.

 

A comunidade não tem outra razão de ser senão o exercício em elevado grau do amor a Deus e ao próximo, partindo desta base sólida de que Deus é Pai e que, consequentemente, todos somos irmãos. Por isso, todos os membros da comunidade devem comprometer-se solenemente a viver unidos pelos laços da caridade e a ajudarem-se mutuamente na obra da sua santificação pessoal por amor ao reino de Deus.

 

A verdadeira perfeição consiste no amor de Deus e do próximo. O cumprimento perfeito do mandamento do amor é tudo o que nos basta para sermos «perfeitos como o Pai Celeste é perfeito» (Mt 5,48; cf. Lc 6,36).

 

Cristo é o centro à volta do qual tudo gira e a pedra angular na qual a comunidade inteira se apoia. Na comunidade desaparecem todas as diferenças sociais, todos os sinais de riqueza que na vida mundana geram desigualdade e injustiças sociais. As leis da convivência na comunidade, enquanto leis evangélicas, são a antítese das leis convencionais da sociedade humana.

 

A construção da comunidade é tarefa de todos. Cada um dos membros deverá ter consciência da responsabilidade da missão que lhe foi confiada, exercendo-a com espírito de humildade e apoiando-se nas virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade. Cada um é pedra insubstituível neste edifício espiritual quaisquer que sejam o seu serviço, as suas capacidades ou os seus limites.

 

Numa comunidade, todos os membros devem ser abertos e transparentes, falando com simplicidade e humildade sobre as alegrias e esperanças, tristezas e angústias da sua comunidade e dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem. Nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco em seu coração (cf. GS 1).
 
Como discípulos de Cristo, dirigidos pelo Espírito Santo na sua peregrinação para o Reino do Pai, os consagrados anseiam por transmitir a mensagem da salvação ao mundo inteiro e sentem-se intimamente solidários cin o destino do género humano e com a sua história (cf. GS 1).

 

Nuno Westwood

Cronista do Ano da Vida Consagrada.

Nasceu a 16 de Janeiro de 1972. Ordenado sacerdote a 21 de Julho de 1996, no santuário de Nossa Senhora do Sameiro, em Braga, pelo Sr. D. Eurico Dias Nogueira. Membro da comunidade dos Apóstolos de Santa Maria, fundada por Frei Hermano da Camara. Foi Vigário Paroquial em paróquias das Taipas (Guimarães), Cabanelas (Vila Verde), Algueirão (Sintra), Estoril (Cascais). É pároco de São Julião da Barra e de Nova Oeiras.

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