Fátima, fora de Fátima

Fátima 12 maio 2018  •  Tempo de Leitura: 4

1.Não consigo precisar a data da primeira vez que fui a Fátima; sei, contudo, que era ainda adolescente.

 

Tenho gravada a impressão daquele grande largo, abraçado por uma igreja que me pareceu infinita. Mas a marca maior veio-me da capelinha: a sua pequenez tocou-me de tal modo que, regressado à aldeia, expliquei à avó materna, que «o sítio onde esteve Nossa Senhora parece um canastro/espigueiro muito pequeno…».

 

O enquadramento mudou; mas, ainda hoje, para mim, Fátima é ali, naquele espaço de poucos metros quadrados. Porque é ali que o meu silêncio interior é mais profundo e, por isso, maior a facilidade de escuta.

 

Sentado ou em pé, de olhos fechados, oiço. E se alguma coisa peço é, sempre, uma mais apurada capacidade de ouvir.

 

Só por deveres profissionais do meu tempo de jornalista fui a Fátima em dia de grandes peregrinações, com destaque para as visitas papais. Prefiro, realmente, ir em datas que o calendário não inscreve – no intuito repetido de mergulhar no olhar contemplativo e íntimo que outros peregrinos mais dificilmente interrompam. Assumo, pois, a contemplação como o carisma dos pastorinhos que mais me desafia e mais facilmente abre caminhos de mudança e de conversão, ajudados pela terna e materna companhia de Nossa Senhora.

 

Maria não é, de facto, uma distração mas uma atração. Ela faz-se linha recta para o coração de Cristo, cuja palavra exorta a ouvir e a praticar. «Fazei o que Ele vos disser!». Com determinação e simplicidade, como resume Carlos Azevedo em “Fátima: das visões dos pastorinhos à visão cristã” (pag. 195): «A mensagem de Fátima continua a traduzir-se nos simples mendigos de Deus, que chama e envia, acolhedores dos seus pobres sinais, totalmente consagrados, como Maria e com Maria, a configurar hoje uma existência de amor solidário e compassivo, que repare os males que atingem o mundo actual».

 

2. Dei a estas linhas o título de “Fátima, fora de Fátima”. Com ele quero evocar a devoção a Nossa Senhora de Fátima e a adesão à Sua mensagem nas mais diversas manifestações e recantos.

 

Confesso que a minha devoção foi bebida no aconchego da família, numa infância marcada pela recitação diária do Terço; muitas vezes – especialmente nas noites de inverno – com o sono a pesar nos olhos e a ternura dos mais velhos a pedir atenção e sacrifício…

 

Foi também alimentada nas devoções marianas do mês de Maio, com a aldeia a reunir-se ao fim da tarde na pequena igreja paroquial, apesar dos corpos exaustos dos trabalhos da lavoura. Felizes as comunidades paroquiais e as famílias que ainda hoje se unem rezando!... É que a secularização e a desertificação do interior até estes momentos de graça vão esquecendo, deixando-os morrer ou substituindo-os por fugas ou vivências isoladas de uma fé privada…

 

Sim; tenho saudades da Festa de Nossa Senhora de Fátima, que era a maior e mais alegre do meu Campo do Gerês natal – manifestação externa do um amor filial, ainda hoje visível na imagem que, do cimo de um pequeno outeiro, olha as casas apinhadas em concha.

 

Foi numa dessas festas que participei figurando o Anjo de Portugal… Era tão pequeno que a segunda parte do percurso da procissão foi cumprida ao colo do pai. Mas, como notam, ficou inscrita a memória que o tempo não apaga. É assim o amor!

 

[©Padre João Aguiar Campos | Texto publicado Magazine iMissio]

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