Não conheço ninguém que não goste de música. Diz-se que quem canta seus males espanta, cantar andando encurta o caminho, quem reza a cantar reza duas vezes e algumas pessoas cantam sempre a mesma cantiga.

Contudo, também se diz que quem canta logo chora, quem canta antes do almoço chorará antes do sol-posto, onde se chora não se canta, quem canta os próprios louvores desafina sempre e mais vale cantar mal do que chorar bem.

Por outro lado, diz o povo que canta Marta depois de farta, menino que come e canta não tem amor à garganta, gaiola bonita não faz cantar o canário, não é pelo galo cantar que há de madrugar, canário sem alpista não canta, há quem canta bem mas não entoa e cantam os melros e calam-se os pardais.

Na verdade, o cantar quer hora, cantar bem é de poucos, nem cantor surdo nem barbeiro mudo, quem não canta assobia, é melhor calado do que cantar desafinado, é semear na areia o cantar a um surdo, quem mal fala mal canta, cantigas não vão à feira e o rouxinol não canta na gaiola.

Não esqueçamos jamais que a viola e o tambor se querem na mão do tocador, quem não tem unhas não toca guitarra, não queira o sapateiro tocar rabecão, não se pode assobiar e tocar flauta ao mesmo tempo, não se caçam lebres tocando tambor e quem toca o carrilhão não vai na procissão.

Tenhamos em conta, por fim, que se dança conforme a música, quem vive de esperança dança sem música, dança-se conforme o que se tem na pança, quem canta na mesa e dança no leito é um tolo perfeito e assim como se canta assim se dança.