Juventude à deriva: A traição dos adultos, o cinzentismo da Igreja

Pastoral da Comunicação 12 julho 2021  •  Tempo de Leitura: 8

No início de julho a polícia italiana desmantelou um grupo de jovens, na faixa dos 20 anos, responsáveis por organizar um grupo subversivo com o propósito de instaurar uma nova ordem mundial. O projeto de matriz nazi-fascista inspirava-se em grupos de supremacistas  americanos, e no programa constava explicitamente a discriminação racial e o uso da violência. Os integrantes usavam nomes de batalha de fanáticos terroristas, como Anders Breikvik, responsável pelo massacre de Utoya, na Noruega, em 2011.

 

Um grande vazio

Para lá do carácter veleidoso e marginal deste triste acontecimento, vale a pena refletir sobre aquilo que deixa entrever. Em primeiro lugar, um grande vazio, cujo significado não é sobretudo político, mas existencial. Construímos uma sociedade em que aos jovens não restou nada para acreditar. Uma perspetiva, um sonho para o futuro. A par das ideologias, morreram as ideias e as esperanças de um mundo diferente.

 

Que o bando tenha centrado a sua fé e a sua esperança numa visão distorcida não só do ponto de vista político, mas também ético, não deve fazer-nos perder de vista em que as suas escolhas foram amadurecidas, que é o de um deserto intelectual e espiritual, onde não só os partidos tradicionais, mas também os movimentos que os contestam, assim como as instituições que no passado tiveram um papel fundamental para a educação das novas gerações, como a Igreja, parecem ter perdido a sua credibilidade.

 

O próprio conceito de “fé” é, atualmente, anacrónico. Hoje, a maior parte dos jovens já não acredita na política, como também não acredita na religião. Pelo menos ao ponto de investir nestes contextos as suas energias e esperanças. Isto já acontecia antes da pandemia, quando todo o empenho dos nossos governantes estava apontado para o respeito pelos parâmetros estabelecidos pela Europa para a nossa economia. Já então se tinha deixado de falar de construir um mundo diferente, melhor. E agora que os fundos do plano de recuperação e resiliência oferecem uma nova oportunidade, é sempre o plano do PIB que tudo orienta, rigorosamente dentro de um quadro em que ninguém fala nem de valores nem de renovação radical da nossa sociedade.

 

A perda de credibilidade da Igreja

Também a Igreja parece cada vez mais em dificuldade com as novas gerações. As paróquias continuam a experimentar a fuga dos mais pequenos, após a primeira Comunhão, nem parecem capazes de exercer uma atração sobre os adolescentes e os jovens. Mesmo os grupos e os movimentos – que, após o concílio, tiveram um papel fundamental pra compensar a crise da pastoral juvenil paroquial – parecem ter perdido uma parte do seu verniz e da sua incisividade. E no imaginário coletivo o escândalo da pedofilia dos padres continua a ser difícil de ultrapassar.

 

Como efeito, mas também e sobretudo como causa desta queda de tensão, há o dado de uma progressiva deterioração do impulso missionário das comunidades eclesiais. Muitos presbíteros estão hoje exaustos e desmotivados. Os leigos ainda são marginais, e muitos são tentados por um clericalismo que, no fundo, é cómodo, porque exonera das responsabilidades. Até a figura do papa Francisco, que de início parecia imprimir a toda a vida eclesial um novo dinamismo, não conseguiu resgatar a comunidade cristã, na sua generalidade, deste cinzentismo.

 

A traição dos adultos

O resultado é que à maior parte dos jovens não chega qualquer mensagem espiritual e intelectual credível tão-pouco da parte da Igreja. Desde pequeninos, crescem na lógica do consumismo, dominados pelos mecanismos de massa da publicidade, do mito da roupa de marca e dos telemóveis último modelo, dos slogans e das palavras de ordem das modas dominantes. O único futuro que lhes parece caber é o do seu emprego e da sua satisfação afetiva, cada vez mais desprendido da ideia tradicional de família fundada num laço matrimonial vinculativo para o futuro. O presente – um presente que diz respeito ao indivíduo e ao seu “privado alargado” – domina sem oposição.

 

Os pais prodigam-se em oferecer aos seus filhos todas as condições para o bem-estar material, mas não se dão conta que os traíram na medida em deixaram de conseguir educa-los para procurar um sentido para a sua vida. E mesmo aqueles poucos que procuram oferecer uma lógica alternativa, veem-se submetidos e apeados pela enchente inexorável das mensagens em sentido contrário provenientes dos meios de comunicação.

 

No vazio cresce a violência

Há, ainda, uma segunda reflexão que é sugerida pelo episódio de Milão. Neste vazio as perspetivas violentas e reacionárias têm maiores possibilidades de afirmação. A raiva, o ressentimento, foram sempre fatores importantes para os movimentos políticos de extrema-direita e conferiram-lhes uma carga de certa maneira “revolucionária”. Apontam-se à democracia, aos direitos das minorias, à própria existência dos “diferentes” as razões do mal-estar individual, e quer-se reagir colocando tudo em discussão.

 

Não se aceita o existente. Mas na realidade aquilo para que se aponta é uma paródia do futuro, porque consiste em voltar para trás, à lógica do fechamento ao outro e à marginalização dos mais fracos.

 

Oferecer aos jovens perspetivas de autêntica novidade

Não basta, porém, censurar, é preciso voltar a oferecer aos jovens perspetivas que possam responder à sua originária e ineliminável ânsia de novidade, para impedir que estagnem ou que sigam direções perversas. Disto, num momento em que se fala de este ser um tempo fundamental para o país, ninguém fala.

 

Todavia, é fundamental que se faça. Dizia Péguy que a revolução ou será moral ou não acontecerá. Podemos parafrasear esta afirmação dizendo que não haverá uma verdadeira retoma se não compreender uma valência ética e espiritual. Se não for capaz de envolver os jovens não só no crescimento do PIB, mas numa ordem diversa, mais humana, das relações humanas e sociais.

 

Muitos objetam que este não é o momento de pensar em grandes perspetivas, e que já é difícil gerir as urgências imediatas. Era o que já se dizia antes da pandemia e do plano de recuperação. Pelos vistos, nunca é o momento para a reviravolta nos valores, na justiça, na refundação da sociedade. Na verdade, nesta retoma trata-se de decidir em que parâmetros concretizá-la. E, sobretudo, abrir aos nossos jovens novos horizontes de esperança. Se queremos evitar que permaneçam mutilados da dimensão que desde sempre é a mais característica das novas gerações, a do futuro, ou que sejam induzidos a subvertê-la na furiosa reivindicação do passado.

 

[A partir de texto de Giuseppe Savagnone | Responsável pela página da Pastoral da Cultura da arquidiocese de Palermo, Itália | In Tuttavia]

tags: Snpc, Jovens, Pandemia

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