Uma mulher extraordinária

Razões para Acreditar 9 março 2021  •  Tempo de Leitura: 4

Na sociedade bíblica antiga patriarcal é o homem que domina e a mulher é privada dos mais elementares direitos, e muitas vezes também de respeito. Não faltam, no entanto, as exceções: Débora, a heroína mãe da pátria; Judite e Ester, sem a obra das quais o povo judaico se teria encarreirado para o holocausto; Maria, a mãe de Jesus; e assim por diante. E também em sentido contrário à tendência, um canto refinado sela o livro dos Provérbios.

 

No capítulo 31, versículos 10-31, entra em cena uma protagonista da vida familiar tão importante, que se declara que em virtude do seu mérito o «seu marido é considerado nas portas da cidade, quando toma assento com os anciãos da terra». Ele «nela confia» e, juntamente com os filhos, tece-lhe um elogio apaixonado: «Muitas mulheres tiveram valor, mas tu excede-las a todas».

 

Este hino final parece quase o desejo que o autor dos Provérbios endereça ao jovem leitor a quem se dirige, para que, tornado também ele sábio, escolha uma esposa tão corajosa, inteligente e ativa, uma mãe que se abra para o bem da sua família, ao ponto de ignorar o luxo e os enfeites de pérolas, porque «a graça é enganadora e a beleza é vã».

 

A lista dos compromissos domésticos é impressionante, mas é-o sobretudo a sua autonomia de decisão em sede económico-administrativa: «Traz os seus víveres de longe. Levanta-se, ainda de noite, distribui o alimento pelos da sua casa e as tarefas pelas suas servas. Ela pensa num campo e adquire-o, planta uma vinha com o ganho das suas mãos».

 

Mas não é apenas uma gestora, é também uma trabalhadora que primeiro dá o exemplo, vigiando inclusive de noite sobre a roca a fiar e a tecer vestidos para os seus familiares, a quem assegura roupa de verão e de inverno, cobertas e outras alfaias.

 

Por fim, consegue também pensar num toque de elegância para si mesma, confecionando as suas vestes com linho e púrpura, mas sempre consciente de que «fortaleza e graça são os seus adornos». É capaz de produzir também para a exportação, que confia ao «cananeu», ou seja, aos mercadores profissionais de tecidos e cintas.

 

Temos, portanto, uma mulher exemplar no seu amor terno e operativo pela família. Mas a sua misericórdia alarga o horizonte do seu compromisso e torna-se um modelo para todas as famílias: «Estende os braços ao infeliz,e abre a mão ao indigente».

 

A sua generosidade não se restringe ao círculo da família, mas dirige-se a toda a comunidade onde se encontram os miseráveis para os quais se deve concretizar a Lei bíblica: «Se houver junto de ti um indigente entre os teus irmãos, numa das tuas cidades, na terra que o Senhor, teu Deus, te há-de dar, não endurecerás o teu coração e não fecharás a tua mão ao irmão necessitado» (Deuteronómio 15, 7).

 

Esta mulher, que incarna simbolicamente a sabedoria, é o testemunho realístico de uma misericórdia familiar e social autêntica e profunda.

 

[Card. Gianfranco Ravasi]

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