Aprender o silêncio

Razões para Acreditar 26 fevereiro 2021  •  Tempo de Leitura: 5

Sem silêncio, não há vida interior, adverte a tradição espiritual, unânime. Mais do que ao ruído, este silêncio opõe-se à dispersão, à agitação. É um recolhimento em que “as coisas a fazer” e as distrações são mantidas no seu lugar. As atividades manuais, a caminhada, são uma boa maneira de as amansar.

 

Para os Padres do Deserto, o silêncio é essencial para afinar a sensibilidade e a capacidade de escuta (de si, dos outros, do Espírito). O silêncio é o húmus da oração contemplativa, a presença diante do Senhor.

 

«Um irmão vai até ao pai Moisés e pede-lhe uma palavra. O ancião diz-lhe: “Vai, senta-se na tua cela, e a tua cela ensinar-te-á todas as coisas”.» «Dizia-se do pai Agathon que passou três anos trazendo um calhau na boca, até aprender a calar-se.» «O monge reconhece-se não pelas suas palavras e discursos, mas pelo sentar-se em silêncio» (S. Jerónimo, séc. IV).

 

«A conduta que temos ao longo do dia prepara, ou torna mais difícil, a paz e o silêncio nos quais é bom permanecer para a oração… Para os Padres do Deserto, manter-se na cela, mesmo se o aborrecimento é nela profundo, mesmo se a oração nela é quase impossível em certos dias, guardar a cela é o grau último da fidelidade.

 

Sentar-se em silêncio é da mesma ordem, todos sabem que se pode ficar em casa mas nela viver numa agitação frenética, porque quando a oração é árida, torna-se mais urgente fazer limpezas ou mudar as coisas de lugar…

 

Manter-se sentado, nos tempos que a isso são consagrados, é manter-se na fidelidade a Cristo e à sua presença, renunciar a todas as atividades que se apresentam num dia aliciante, ou sob a aparência da urgência.

 

Pode dizer-se que trata-se de manter-se sem fazer nada quando haveria tantas coisas para fazer, aparentemente, o que significa que ao renunciar ao agir manifesta-se que há prioridades que ultrapassam a ação, pelo menos em certos momentos» (Fr. Jean-Marie Guelette, OP).

 

Antes de começar as atividades do dia, concedo um breve momento – um ou dois minutos – para tomar consciência de mim: «Sou muito mais que as coisas que fiz ou que tenho a fazer. Sou vivente! É um dom. Olho para o Doador e alegro-me: obrigado!».

 

Orar com simplicidade

Instalo-me confortavelmente. Tomo consciência das minhas emoções, nesse momento e aquelas que vivi durante o dia. Nomeio esses sentimentos (alegria, prazer, cansaço, tristeza…), um impulso, uma preocupação. Acolho-os. Pergunto-me: o que senti? É na nossa vida que o Senhor nos espera, não fora dela.

 

A partir deste enraizamento na minha realidade, posso colocar-me na presença do Senhor pela fé, com aquilo que sou. Posso chamá-lo «Pai Nosso», «Senhor Jesus», «Espírito Santo» - a oração é relação. Permaneço, sem me prender aos pensamentos que me atravessam.

 

Leio a Palavra de Deus – por exemplo, o Evangelho do dia. Deixo-o ecoar no silêncio. Posso dialogar com ela, com o silêncio em fundo.

 

As distrações sobrevêm? Algumas palavras de louvor, de súplica, podem relançar a minha atenção silenciosa.

 

Ao longo do dia mantenho momentos de silêncio. Não sou obrigado a ligar o rádio no automóvel, de ver televisão em “zapping”, etc. Dirijo-me brevemente ao Senhor, talvez com uma palavra de louvor, uma súplica, um movimento do coração.

 

Aos poucos, estas práticas permitem exercer um discernimento sobre os movimentos espirituais interiores: que produz esta emoção em mim? Onde me conduz? Devo vivê-la mais, ou, pelo contrário, travá-la? Partilhar estas questões em diálogo com uma pessoa experimentada no acompanhamento espiritual é fecundo.

 

[Christophe Chaland, Ir. Marie-Paule Peyronnaud | In Le Pèlerin]

tags: Snpc, Silêncio

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