«Stôr, é obrigatório?»

Razões para Acreditar 16 junho 2020  •  Tempo de Leitura: 6

Nas minhas aulas, sobretudo com os alunos mais novos, ao propor um trabalho de casa (TPC), havia sempre alguém que me perguntava: “Stôr, é obrigatório?” A pergunta era feita, em parte porque a disciplina que eu ensinava, Educação Moral e Religiosa, era uma disciplina menos importante e todos o sabiam. Por outra parte, insistia com os alunos que os TPC eram importantes, sobretudo para solidificar, aprofundar e preparar a aula seguinte. Havia ainda uma variante desta pergunta: “Stôr, conta para a nota?” No fundo, queria dizer a mesma coisa. Tentava muitas vezes pedir TPC’s em forma de tarefas, que fossem motivantes para os alunos. Porém, aquela pergunta se o trabalho era “obrigatório”, ou se “contava para a nota”, tinha sempre o efeito de me irritar. Geralmente, a minha resposta, numa perspetiva pedagógica, era a seguinte: “Não, não é obrigatório. Nada é obrigatório. Fazes se quiseres, se não quiseres, não fazes. Porque és livre! Livre para crescer, ou não crescer; livre para aprofundar, ou ser superficial; livre para participar, ou para desistir”. Ao ouvirem isto, os alunos ficavam um pouco confusos e desorientados… mas pensativos!

 

Esta pergunta era bastante mais comum do que se poderia esperar. Até em alunos do secundário. Isto porque eles vivem e aprendem num sistema educativo bastante “paternalista”, onde os professores os mandam fazer TPC’s, os pais os mandam estudar, onde sabem exatamente o que devem fazer para ter sucesso académico. É um sistema que os educa para o cumprimento de ordens e regras, mas muito pouco para a autonomia e a responsabilidade, para serem donos da sua própria vontade.

 

Desde pequenos que fazemos o que nos mandam, que cumprimos as nossas “obrigações”: lavar os dentes, comer a sopa, pôr e levantar a mesa, etc. As crianças sabem o que têm que fazer a todo o momento. Sabem também o que não podem fazer. Se algo surge fora do ordinário e ficam na dúvida, perguntam aos pais, aos professores, ao treinador, ou a outra figura de autoridade. Nos primeiros anos de vida, a educação não é mais do que um longo caminho de obediência: cumprir regras, ditadas por adultos, isto é, fazer o que é “obrigatório”. E assim tem que ser. À medida que vamos crescendo, chegada a idade juvenil, vamos tendo um pouco mais de autonomia e podendo gradualmente fazer as nossas escolhas, na gestão do tempo, entre o trabalho e o ócio, por exemplo. Vamos, no fundo, conquistando a nossa liberdade, dando provas aos pais e restantes adultos de que já somos capazes de escolher bem, de que podem confiar mais em nós.

 

Neste tempo especial, em que continuamos a viver sob a ameaça da “pandemia”, há muitas indicações das autoridades de saúde que são “obrigações”: usar a máscara dentro de espaços fechados, manter a distância de segurança, etc. Mas há outras que são “conselhos”, em que temos que escolher responsavelmente para proteger o bem comum, por exemplo, “Mantenha as distâncias de segurança”. Esta questão tem precisamente a ver com o confronto entre a liberdade e a obrigação. Uma pessoa adulta e responsável, um cidadão bem formado, entende facilmente que deve cumprir as normas e os conselhos, pelo bem comum, porque é o melhor a fazer. Um cidadão irresponsável e infantil, poderá cumprir apenas se for obrigado e não cumprir se não for, simplesmente porque não lhe apetece ou porque não “dá jeito”.

 

Aquilo que nos impede de fazer o que é melhor são os apetites, o comodismo, o egoísmo, a auto-imagem, enfim, tudo aquilo que nos impede de amar, em cada escolha responsável que fazemos. Em linguagem de S. Inácio, são os nossos afectos desordenados.

 

Em linguagem inaciana, o caminho de crescimento em maturidade e responsabilidade dá-se quando cresço em maior liberdade interior. Esta expressão significa que:

 

– Tenho como fim da minha vida ser feliz, amando e servindo Deus e os outros;

– Tenho disponíveis muitos meios para alcançar esse fim, uns que me ajudam e outros que não me ajudam;

– Por isso devo escolher aqueles meios que mais me ajudam a amar e servir; e rejeitar os outros;

– Daí que deva tornar-me indiferente (interiormente livre) para poder escolher somente o que mais me conduz ao fim dessa felicidade.

 

(adaptado do Princípio e Fundamento, dos Exercícios Espirituais de S. Inácio de Loyola).

 

Se sou capaz de escolher responsavelmente, segundo um critério de amor e serviço – o que faço ou o que rejeito; como uso o meu tempo; como me comporto; o que digo ou não digo; etc, torno-me uma pessoa interiormente livre. Se sou movido por aquilo que os outros dizem, pelo que os meus pais ou professores mandam, por aquilo que a DGS diz, ou pela minha preguiça ou egoísmo, então não sou uma pessoa interiormente livre. Aquilo que nos impede de fazer o que é melhor são os apetites, o comodismo, o egoísmo, a auto-imagem, enfim, tudo aquilo que nos impede de amar, em cada escolha responsável que fazemos. Em linguagem de S. Inácio, são os nossos afectos desordenados.

 

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