Só se perde o que não se cuida

Razões para Acreditar 27 abril 2020  •  Tempo de Leitura: 3

Reza a história da família que quando eu era miúda de cinco anos e respondia torto aos meus pais, estes se encarregavam de me mandar para o confinamento do meu quarto “para eu pensar no assunto”. Como essas horas de castigo e outras mais amenas, a Leonor de então aprendeu a estar só com os seus botões e as mil e uma coisas que a entretinham. Mais tarde, isto tornou-se necessidade e uma forma de me reequilibrar.

 

Assim, quando há mais de 40 dias recebi no escritório onde sou advogada, a notícia de que teria de me fechar em casa, agarrei nos códigos e assim fiz. Devo confessar que de início, nem me custou, provavelmente, estava a precisar da pausa. Foi o passar do tempo que me fez descobrir o resto.

 

É que, se sinto necessidade de por vezes estar só, também sei que sou abençoada com amigos que acarinho e uma família que me estrutura e o retirar súbito desse alicerce, foi o primeiro soco desta realidade, perceber que há uma diferença entre a distância ocasional e a ausência imposta, entre o espaçar do tempo que se compensa com um abraço e a impossibilidade de tocar os que mais amo.

 

Com o tempo, a dor disto tudo foi acamando e porque somos sobreviventes, dei por mim a criar rotinas, consciente de que só se perde o que não se cuida e que há fontes inesgotáveis de nos fazermos bem.

 

Depois, veio a angústia de saber que o vírus já tinha chegado a uns quantos que conhecia e que havia amigos a perder família sem o consolo de um funeral digno de despedida.

 

Com o tempo, a dor disto tudo foi acamando e porque somos sobreviventes, dei por mim a criar rotinas, consciente de que só se perde o que não se cuida e que há fontes inesgotáveis de nos fazermos bem.

 

Lembro uma entrevista do P. Vasco Pinto Magalhães, sj em que ele dizia que a maior fonte da alegria é a experiência de nos sabermos amados e eu tenho percebido o quanto isso é verdade – essa atenção consola quando a ausência se impõe e fortalece-nos nela.

 

É sabido que já se fala do retorno gradual a uma quase normalidade, mas sabemos que nunca será um regresso ao antes. O trabalho que, a nós advogados, nos tem chegado às secretárias já é reflexo disso: nestes dias vendemos negócios que não se aguentaram à porta fechada, tratámos de processos de lay off, passámos os olhos por insolvências, escrevemos cartas de arrendatários a requerer o diferimento do pagamento de rendas e explicámos a senhorios (que dependem dessas rendas para viver), como elas serão pagas depois.

 

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