Cada passagem dos Evangelhos é uma aventura dos sentidos. Jesus deixa-se ungir com óleos perfumados, mistura a sua saliva com o lodo, pede para sermos saborosos como o sal, oferece a sua própria carne como alimento. Cada episódio da sua história dá azo a interpretações controversas. E os primeiros a não compreender são os próprios discípulos.

Depois de ter narrado com estilo cinematográfico os movimentos, as falas e os percursos da «personagem» Jesus em Uma trama divina, Antonio Spadaro, conhecido jesuíta italiano, particularmente próximo do Papa Francisco, regressa aos textos evangélicos, propondo uma nova e surpreendente leitura dos mesmos. Através de uma lente primorosamente literária, dá vida a um universo de sons e cheiros, sensações tácteis e imagens, que falam das nuances da existência humana e do risco da liberdade.

Crítico literário, Spadaro mostra possuir, também ele, dotes no manejo da palavra, o que torna mais envolventes as suas reconstruções cinematográficas (os evangelistas são aqui reimaginados como autênticos realizadores) dos episódios que foca.

O Mestre não é uma réplica divina lançada de paraquedas para a Terra para servir de porta-voz do Eterno. Afirma ser verdadeiramente Deus e totalmente homem. Mas a carne não chega para ser humano: é preciso a liberdade. A partir destas páginas, Jesus rompe a «quarta parede», volta-se para os leitores e pergunta-lhes: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»

Um livro que convida a um olhar atento, encarnado, sobre passos conhecidos, redescobrindo-lhes o sentido profundo que a familiaridade com eles quiçá empoeirou.

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