Pentecostes em nós

Liturgia 31 maio 2020  •  Tempo de Leitura: 5

A solenidade de Pentecostes é celebrada no quinquagésimo dia após a Páscoa. Nela, fazemos memória do cumprimento da promessa de Jesus aos seus discípulos (Jo 16,7-24; Lc 24,49; At 1,8).

 

Os judeus celebravam-na lembrando, sobretudo, o dom da Aliança entre Deus e o povo de Israel. Era considerada uma das três grandes festas de peregrinação a Jerusalém (Ex 23,14-17; 34,18-23). Tem origem agrícola, por causa das primícias da colheita do trigo (Ex 23,16), e, depois, com a restauração do culto no período persa, adquiriu o significado de renovação da Aliança (2Cr 15,10-15). Então, imagina-se que, naqueles dias, Jerusalém estava repleta de peregrinos de todas as partes para essa celebração.

 

Este pressuposto ajuda-nos a compreender o evento que lemos na primeira leitura (At 2,1-11). Os discípulos, como judeus observantes, permaneciam em Jerusalém, perseverantes na oração (At 1,14), à espera da promessa de Jesus. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo prometido vem sobre os discípulos, impulsionando-os ao anúncio do Evangelho.

 

Eles encontravam-se «reunidos no mesmo lugar». Possivelmente, sentiam-se ameaçados e a sofrer com o risco de morte como a de Jesus. Mesmo com os encontros com o Ressuscitado, ainda não ousavam espalhar a Boa Nova na qual acreditavam. Contudo, na perseverança da oração, experimentam o Espírito Santo vindo sobre eles como um vento forte e línguas de fogo, sinais de manifestação divina.

 

O Espírito faz os discípulos falarem novas línguas e proclamarem de maneira compreensível para todos as maravilhas de Deus. Pessoas de todas as partes conhecidas do mundo antigo encontravam-se em Jerusalém e escutavam as maravilhas de Deus. Pela ação do Espírito Santo, o grupo acanhado de galileus torna-se proclamador do Evangelho de Jesus para todos.

 

O Espírito Santo promove a Igreja, comunidade dos que creem no Cristo. O texto de 1Cor 12,3b-7.12-13 demonstra que o Espírito Santo leva à confissão de fé em Jesus como «Senhor» (Fl 2,11), título dado a Deus no Antigo Testamento.

 

Nesta secção (1 Cor 12-14), Paulo escreve para a comunidade de Corinto sobre os carismas, e aconselha para a unidade no amor. O Espírito Santo movimenta as pessoas para o serviço nos diversos ministérios na Igreja «em vista do bem comum» (1Cor 12,7).

 

Assim, a Igreja é como um corpo, o de Cristo, com diferentes membros diversos; porém, esses membros não podem viver apartados uns dos outros, devem formar essa unidade gerada pela mesma fé em Cristo. Tal unidade não significa uniformidade, ao contrário, o texto destaca as diferenças (1Cor 12,5), no entanto, direciona para a unidade.

 

O Evangelho traz a narrativa da vinda do Espírito Santo em João, uma continuidade da “exaltação” de Jesus (morte e ressurreição). O mesmo trecho bíblico proclamado no segundo domingo da Páscoa é retomado agora com ênfase no cumprimento da promessa do dom de Jesus aos discípulos: o Espírito Santo, que os interpela a continuar o anúncio iniciado por ele.

 

A paz que Jesus deseja aos seus discípulos não é mera quietude ou ausência de problemas (Jo 20,19.21). Ao contrário, as primeiras pessoas que seguiam Jesus corriam mais risco de vida do que nós na atualidade. A saudação, em hebraico shalom, representa um estado de plenitude e integração com Deus, com as pessoas, com a sociedade e com a criação. A paz realizada por Jesus (Jo 14,27) e comunicada aos discípulos não se restringe a eles, mas para todos os que dela necessitam. Quem a recebe também se torna um sinal de paz no mundo.

 

O sopro de Jesus desloca os discípulos de uma condição estática para uma nova dinâmica de vida comprometida com a prática do amor. Retira-os da sala com portas fechadas e recoloca-os nos trilhos para as nações, a fim de que a Boa Nova chegue aos confins da Terra (At 1,8). Esse sopro pedimo-lo e acolhemo-lo na liturgia de Pentecostes.

 

O vento do Espírito movimenta-nos. Somos tirados do comodismo para chegarmos a outras pessoas, propondo um encontro com o Senhor. Podemos abandonar os medos que trazemos (violência, complexidade social, etc.) e ameaças atuais (indiferença, rejeição, etc.) com um Pentecostes em nós. Não por meio de barulhos ou frenesis, mas pela eloquente presença do seu Espírito, que faz renascer todas as coisas (Sl 104,30).

 
[P. Marcus Mareano | Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Brasil, Departamento de Teologia]

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