A vida cristã

Liturgia 15 julho 2018  •  Tempo de Leitura: 10

Quando um profeta é rejeitado em sua pátria, em sua casa, pelos seus, pela sua gente (cf. Mc 6, 4), ele só pode ir embora e procurar outros ouvintes. Assim fizeram os profetas do Antigo Testamento, indo fazer sua estada até mesmo entre os gojim, as pessoas não judias, e dirigindo-lhes a palavra e a ação portadora de bem (basta pensar em Elias e Eliseu; cf., respectivamente, 1Re 17 e 2Re 5).



O próprio Jesus não pode fazer diferente, porque a sua missão de “ser voz” da palavra de Deus também deve ser cumprida pontualmente, segundo a vocação recebida.



Rejeitado e contestado pelos seus em Nazaré, Jesus percorre os vilarejos ao redor, para pregar a boa notícia (cf. Mc 6, 6) de modo incansável, mas, em certo momento, decide ampliar esse seu “serviço da palavra” também aos Doze, à sua comunidade.



Por que motivo? Certamente, para envolvê-los na sua missão, de modo que sejam capazes, um dia, de continuá-la sozinhos; mas também para tomarem um pouco tempo para não agirem, para permanecer à parte e, assim, para poderem pensar e reler aquilo que ele desperta com o seu falar e o seu agir.



Por isso, ele os envia em missão aos vilarejos da Galileia, com a tarefa de anunciar a mensagem por ele inaugurada: “O tempo está completo e o reino de Deus está próximo; convertam-se e creiam na boa notícia” (Mc 1, 15). Ele os envia “dois a dois”, porque nem mesmo a missão pode ser individual, mas sempre deve ser realizada sob o sinal da partilha, da corresponsabilidade, da ajuda e da vigilância recíprocas.



Em particular, para o enviados, estar em dois significa confiar na dimensão da partilha de tudo o que se faz e se tem, porque se compartilha tudo o que se tem em referência ao único mandante, o Senhor Jesus Cristo.



Mas, se a regra da missão é a partilha, a comunhão visível, a ser experimentada e manifestada no cotidiano, o estilo da missão é muito exigente. A mensagem, de fato, não está isolada daqueles que a doam e do seu modo de vida. Aliás, como seria possível transmitir uma mensagem, uma palavra que não é vivida por quem a pronuncia? Que autoridade teria uma palavra dita e pregada, mesmo com habilidosa arte oratória, se não encontrasse coerência de vida naqueles que a proclamam?



A autoridade de um profeta – reconhecida em Jesus desde o início da sua vida pública (cf. Mc 1, 22.27) – depende da sua coerência entre o que diz e o que vive: só assim ele é confiável, caso contrário, justamente aquele que prega se torna uma pedra de tropeço, um escândalo para o ouvinte. Nesse caso, seria melhor calar e “de-missionar”, isto é, demitir-se da missão!



Por essas razões, Jesus não se detém no conteúdo da mensagem a ser pregada, mas entra até nos detalhes sobre o “como” os enviados e os anunciadores devem se mostrar. Pobreza, precariedade, mansidão e sobriedade devem ser o estilo do enviado, porque a missão não é conquistar almas, mas sim ser sinal eloquente do reino de Deus que vem, entrando em uma relação com aqueles que são os primeiros destinatários do Evangelho: pobres, necessitados, descartados, últimos, pecadores...



Para Jesus, o testemunho da vida é mais decisivo do que o testemunho da palavra, embora ainda não tenhamos entendido isso. Nesses últimos 30 anos, além disso, falamos e falamos de evangelização, de nova evangelização, de missão – e não há congresso eclesial que não trata dessas temáticas! –, enquanto dedicamos pouca atenção ao “como” se vive aquilo que se prega. Sempre ocupados em buscar como se prega, detendo-nos sobre o estilo, sobre a linguagem, sobre elementos de comunicação (quantos livros, artigos e revistas “pastorais” multiplicados inutilmente!), sempre ocupados em buscar novos conteúdos da palavra, negligenciamos o testemunho da vida: e os resultados são legíveis, sob o sinal da esterilidade!



Mas atenção: Jesus não dá diretrizes para que as reproduzamos tais e quais. Prova disso é que, nos evangelhos sinóticos, essas diretrizes mudam de acordo com o lugar geográfico, o clima e a cultura em que os missionários estão imersos. Nada de idealismo romântico, nada de pauperismo lendário, já demasiadamente aplicado ao “semelhantíssimo a Cristo” Francisco de Assis, mas sim um estilo que permita olhar não tanto para si mesmos como para modelos que devem desfilar e chamar a atenção, mas sim que façam sinal ao único Senhor, Jesus.



É um estilo que deve exprimir, acima de tudo, descentramento: não dá testemunho do missionário, da sua vida, do seu agir, da sua comunidade, do seu movimento, mas testemunha a gratuidade do Evangelho, para a glória de Cristo. Um estilo que não confia nos meios que possui, mas, ao contrário, os reduz ao mínimo, para que estes, com sua força, não obscureçam a força da palavra do “Evangelho, poder de Deus” (Rm 1, 16).



Um estilo que permite entrever a vontade de despojamento, de uma missão aliviada de pesos demais e bagagens inúteis, que vive de pobreza como capacidade de partilha daquilo que se tem e daquilo que é dado, de modo que não apareça como acúmulo, reserva previdente, segurança.



Um estilo que não confia na própria palavra sedutora, que atrai e maravilha, mas não converte ninguém, porque satisfaz os ouvidos, mas não penetra até o coração. Um estilo que aceita aquela que talvez seja a maior prova para o missionário: o fracasso.



Tanto esforço, tantos esforços, tanta dedicação, tanta convicção... e, no fim, o fracasso. É o que Jesus experimentou na hora da paixão: sozinho, abandonado, sem mais os discípulos e sem ninguém que cuidasse dele. E se a Palavra de Deus que veio ao mundo conheceu a rejeição, a oposição e até mesmo o fracasso (cf. Jo 1, 11), a palavra do missionário pregador poderia ter um estilo diferente?



Justamente por causa dessa consciência, o enviado sabe que aqui e acolá não será aceito, mas sim rejeitado, assim como, em outros lugares, poderá ter sucesso. Não é preciso temer; rejeitados, dirigimo-nos a outros, vamos para outro lugar e sacudimos a poeira dos pés para dizer: “Vamos embora, mas não queremos nem mesmo levar junto o pó que grudou nos nossos pés. Não queremos realmente nada!” E, assim, continua-se a pregar aqui e acolá, até os confins do mundo, fazendo com que a Igreja nasça e renasça sempre.



E isso acontece se os cristãos souberem viver, não se souberem apenas anunciar o Evangelho com as palavras... O determinante, hoje mais do que nunca, não é um discurso, mesmo que bem feito, sobre Deus; não é a construção de uma doutrina refinada e expressada razoavelmente; não é um esforço para tornar cristã a cultura, como muitos se iludiram.



Não, o determinante é viver, simplesmente viver com o estilo de Jesus, como ele viveu: simplesmente ser pessoas como Jesus foi uma pessoa entre nós, dando confiança e dando esperança, ajudando os homens e as mulheres a caminhar, a se levantar novamente, a curar dos seus males, pedindo a todos que compreendam que somente o amor salva e que a morte não é mais a última palavra.



Assim, Jesus tirava espaço do demónio (“expulsava os demônios”) e fazia Deus reinar sobre homens e mulheres que, graças a ele, conheciam a extraordinária força de recomeçar, de viver, de esperar, de amar e, portanto, viver novamente...



O envio em missão por parte de Jesus não cria militantes nem mesmo propagandistas, mas forja testemunhas do Evangelho, homens e mulheres capazes de fazer o Evangelho reinar sobre eles mesmos, a ponto de ser presença e narração daquele que os enviou. Um escrito cristão das origens, a Didaché, atesta isso: “O enviado do Senhor não é tanto aquele que diz palavras inspiradas, mas sim aquele que tem os modos do Senhor” (11, 8).



Nós, cristãos, devemos sempre nos interrogar : vivemos o Evangelho ou o proclamamos em palavras sem nos dar conta da nossa esquizofrenia entre palavra e vida? A vida cristã é uma vida humana conforme à vida de Jesus, e não, acima de tudo, uma doutrina, não uma ideia, não uma espiritualidade terapêutica, não uma religião voltada ao cuidado do próprio eu!

 

Enzo Bianchi]

Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail