SANTÍSSIMA TRINDADE: «NÃO ADORES NUNCA NINGUÉM MAIS…»
1. Mateus 28,16-20: última página do Evangelho de Mateus, que hoje, Solenidade da Santíssima Trindade, é solenemente proclamada para nós. Encerra o Evangelho de Mateus, condensa-o e resume-o, e abre aos Discípulos e Irmãos do Ressuscitado novos e insuspeitados horizontes.
2. Algumas notas surpreendentes enchem a página, o pátio, o átrio sempre entreaberto do Evangelho para o mundo: a autoridade soberana e nova de Jesus, assente, não na distância, mas na proximidade e familiaridade (1); a missão universal confiada a uma Igreja discipular, toda reunida à volta de um único Mestre e Senhor (2); só nesta página é dito que os Discípulos devem, por sua vez, ensinar, não se tornando, todavia, Mestres, mas permanecendo Discípulos (3); não ensinam, por isso, nada de próprio nem por conta própria, mas apenas «tudo o que Ele mandou» (4); a Presença nova e permanente [= «todos os dias»] do Ressuscitado na comunidade discipular (5).
3. A soberania nova, próxima e familiar, é já preparada pela cena anterior em que o anjo reorienta os passos das mulheres do túmulo para a Galileia, dizendo-lhes: «Indo depressa, dizei aos seus discípulos que Ele ressuscitou dos mortos e vos precede (proágei hymâs) na Galileia» (Mateus 28,7). De forma grandemente significativa, Jesus apresenta-se às mulheres no caminho, e reformula assim o dizer do anjo: «Ide e anunciai aos meus irmãos que partam para a Galileia, e lá me verão» (Mateus 28,10). Aí está a nascer a nova e indestrutível familiaridade: meus irmãos, diz Jesus, apontando para nós e envolvendo-nos num imenso abraço fraternal. E chegados à Galileia, de acordo com o dizer de Jesus, e à montanha indicada por Jesus (Mateus 28,16), é ainda Jesus que toma a dianteira e se aproxima deles e de nós (Mateus 28,18). É sempre d’Ele a iniciativa. A montanha lembra e reúne em analepse todas as montanhas que atravessam o Evangelho de Mateus: a montanha da tentação (Mateus 4,8), a das bem-aventuranças (Mateus 5,1), a da oração (Mateus 14,23), a das curas (Mateus 15,29) e a da Transfiguração (Mateus 17,1), em que é sempre Ele que abraça e abre caminhos à nossa frágil humanidade.
4. Aquele «Indo (poreuthéntes), fazei discípulos (mathêteúsate) de todas as nações» (Mateus 28,19) é a missão sem fim que é colocada diante dos nossos olhos, pois todas as nações são todos os corações. E «Ir» é não ficar aqui ou ali à espera. É a estrada sem medida de Abraão que se abre à nossa frente. E se medida tem é a medida sem medida da eleição, da bênção e da missão. Mas não estamos sozinhos nessa estrada. Ele está connosco todos os dias. O seu nome, a sua identidade, é estar connosco. É assim a terminar o Evangelho: «Eu convosco sou todos os dias até ao fim dos tempos» (Mateus 28,20). Note-se a intensidade e a beleza da sanduíche: «Eu convosco sou» (Egô meth’ hymôn eimi). É assim a abrir o Evangelho: «Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um Filho, e chamá-lo-ão Emanuel, que se traduz: “Deus connosco”» (Mateus 1,23). Então é assim todo o Evangelho, como indica a figura da inclusão literária. Mas a inclusão literária em paralelismo ou em confronto vai ainda da Galileia (Mateus 4,12-17) à Galileia (Mateus 28,16), da visão (Mateus 2,11) à visão (Mateus 28,17), da adoração (Mateus 2,11; 4,9) à adoração (Mateus 28,17), do poder dado (Mateus 4,9) ao poder dado (Mateus 28,18).
5. E aquele «ensinando» (didáskontes) discipular, e não magistral, apela mais à nossa fidelidade do que à nossa autoridade e criatividade. De resto, para evitar dúvidas e deixar tudo claro, lá está bem expresso o conteúdo deste ensinamento novo: «tudo o que Eu vos mandei» (Mateus 28,20). É só permanecendo Discípulos fiéis que se pode ensinar. Discípulo define o estilo de vida de quem segue com fidelidade o Senhor que nos preside e nos precede sempre.
6. Atente-se também neste discurso em dois tempos de Moisés no Livro do Deuteronómio (4,32-40), salientando a iniciativa gratuita de Deus e exortando-nos à verdadeira Sabedoria bíblica: SABE HOJE! Não se trata de um saber assente naquilo que fizemos, fazemos ou faremos, centrado em nós, mas naquilo que, por amor, nos foi feito, nos é feito e nos será feito. Páginas admiráveis, em que a consciência do homem não é a auto-consciência daquilo que eu fiz, mas a hétero-consciência daquilo que me é feito e que eu sou HOJE chamado a reconhecer: «SABE HOJE e volta-o no teu coração: sim, o Senhor, teu Deus, é o único Deus nos céus, no alto, e sobre a terra, em baixo, e não há outro» (Deuteronómio 4,39).
7. SABE hoje e VOLTA-O NO TEU CORAÇÃO! Outra Sabedoria, outro saber, outro sabor. À outra luz do coração, que é onde arde o dom de Deus, Sabedoria de Deus, escrita nova de Deus no coração, viagem de Jeremias 17,1 a Jeremias 31,33, lume novo no coração dos dois Discípulos de Emaús (Lucas 24,32), e que Paulo quer acender no coração de Timóteo e no nosso (2 Timóteo 1,6).
8. Mas também o Espírito Santo, ensina-nos Paulo na Carta aos Romanos 8,14-17, hoje lida, escutada e meditada, opera em nós, tornando-nos de tal modo participantes da vida do Filho, que nos capacita a tratar a Deus por ʼAbbaʼ, Pai, com a mesma intimidade de Jesus (Romanos 8,15). É a adoção filial, a hyiothesía, termo jurídico grego, desconhecido no mundo hebraico, com o qual Paulo quer indicar a graça divina que constitui o homem na dignidade de filho de Deus de modo totalmente imprevisível e gratuito. Oh admirável ciência do amor e da graça, que nos põe a nós, filhos acabados de nascer, a balbuciar o mais belo nome de Deus!
9. Enfim, o Salmo 33, que hoje cantamos, é um verdadeiro «canto novo» (shîr hadash) a fazer vibrar as fibras do nosso coração. Mas é também música sem palavras (terûʽah) (Salmo 33,2), jubilação, exultação, lalação de radical confiança da criança que em nós sorri e dança, porque Deus vela por nós.
10. E não nos esqueçamos que «adorar» é «orientar a vida toda para…». Adorar Jesus é orientar a vida toda para Jesus. Adoremos hoje o Pai e o Filho e o Espírito Santo, unidos no mesmo Nome (Mateus 28,19). Não adores nunca ninguém mais…