Ainda é preciso coragem?!

Crónicas 20 setembro 2017  •  Tempo de Leitura: 2

A coragem, tal como a esperança, parece estar em risco de desaparecimento súbito. Talvez seja melhor reformular um pouco. A coragem que está prestes a evaporar-se é a coragem certa. Aquela que nos permite avançar no caminho com a certeza de que não nos perderemos. A coragem que não se ouve nas bocas do mundo é, precisamente, aquela que nos faz falta. A coragem que não se vê nem se vislumbra é, exatamente, a necessária. Ainda é precisa, a coragem. Ainda é preciso coragem.

 

No entanto, o mundo parece estar inundado de uma coragemzinha triste e cabisbaixa. A coragem de fazer tropeçar quem se cruza no nosso caminho; a coragem de falar sem pensar (ignorando as consequências); a coragem de promoção do auto conforto (mesmo que isso signifique roubar o conforto alheio); a coragem para preferir palavras destrutivas, feias e magoadas (com o intuito de interferir com a paz de quem está à nossa volta); a coragem de cruzar os braços e tornar de pedra todos, e qualquer um, dos nossos gestos; a coragem de ignorar o sofrimento que se fez Casa nos olhos de quem está por perto; a coragem de não fazer absolutamente nada e de deixar tudo entregue aos logo-se-vê que vamos gritando todos os dias.

 

Lamento mas, a partir desta coragem, não nascem heróis. Se é esta a coragem que nos sobra, então acabo de dispensá-la. Dispenso a coragemzinha. E tu?!

 

Vais (e queres) encontrar espaço para:

 

A coragem que faz levantar os que caíram?

A coragem que faz esquecer a mágoa de ontem?

A coragem que prefere palavras bálsamo (em vez de palavras-seta) ?

A coragem para abrir os braços ao que ainda é preciso ser construído?

A coragem para os gestos que tranquilizam e acalmam?

A coragem para abraçar a dor que não é nossa?

A coragem para responsabilizar as nossas mãos pelo que falta ser feito?

 

É a essa a coragem que nos falta. A mim. A ti. Ao mundo. Essa que tem a forma de um raiozinho de luz e que vive, precisa e exatamente, no meio do coração de cada um.

Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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