Como nos despedimos dos que escolheram não ficar?

Crónicas 17 outubro 2018  •  Tempo de Leitura: 2

Temos preferência por chegadas. Por olhos a brilhar que decidem encontrar os nossos e, mesmo sem toque, nos abraçam. Por braços que nos apertam quando, simplesmente, nos pressentem a presença.


Temos preferência por chegadas. Por aviões que aterram e, lá dentro, nos trazem os nossos mais queridos. Por comboios que percorrem caminhos para nos trazer, de volta, os que mais amamos.


Temos preferência por chegadas. Mas a vida teima em dizer-nos que “não nos perguntou nada” e devolve-nos partidas. Nunca se aprende a deixar ir. Às vezes, temos a sensação de ter conseguido fazê-lo mas, na realidade, foi só o tempo que passou por nós e que acabou por arrefecer a tempestade.


A morte dói-nos muito e assusta-nos. Varre-nos as manhãs dos olhos e dos dias e deixa-nos a adivinhar chuva. E noite. E tormenta. Não aprendemos a olhar para os olhos da morte e, quando ela passa ao longe, baixamos os olhos, mudamos de passeio e assobiamos para o lado. Claro que a morte nos dói por todas as razões possíveis mas uma das maiores é o motivo desta crónica. Dói-nos a morte pela partida. Pela consciência de que não se volta nem se regressa. Para além dos que nos morrem, há os que nos deixam. Os que partem. Os que, sem partir deste mundo, partem do nosso. Fazem as malas e deixam, para sempre, a nossa vida.


Como é que nos despedimos dos que nos deixam por querer? Como é que nos despedimos dos que escolhem, simplesmente, não ficar?


Deixamos ir. Respeitamos. Aprendemos. Recomeçamos.


Deixar ir é obrigatório porque não podemos ter ninguém como refém. Ninguém nos pertence. Respeitamos o facto de as pessoas mudarem ou quererem descobrir novos caminhos. Aprendemos a não prender o que nasceu para ser livre. Recomeçamos como nos for possível e com quem continua a merecer a nossa atenção. Com quem decidiu ficar apesar de tudo.


Claro que a teoria é bonita e quase comove. Sentir na pele é outra coisa.


Ainda assim, vale a pena lembrar: não sei se nos chegamos a despedir dos que (nos) partem. Mas não faz mal. A nossa preferência por chegadas vai ensinar-nos a deixar de esperar por quem já não volta.

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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