Podemos entender o que não se pode explicar?

Crónicas 9 maio 2018  •  Tempo de Leitura: 2

Existe uma espécie de Terra do Nunca que guarda todas as nossas memórias. Nesse lugar há fotografias vivas a voar. Às vezes temos vontade de visitar a nossa Terra do Nunca e agarrar as memórias que por ali andam a pairar. No entanto, a vida parece não se compadecer dos que ficam sentados a ver o que já passou. Claro que faz sentido revisitar os momentos que vivemos (e que, por isso mesmo, foram nossos!) mas talvez faça pouco sentido olhá-los como se ainda nos pertencessem.


Nesses momentos em que nos perdemos a contemplar essas fotografias vivas somos confrontados com tudo aquilo que nunca soubemos explicar. Mesmo à distância e com a análise de quem olha do lado de fora, há coisas na nossa história que não conseguimos explicar. Há pessoas que não conseguimos explicar. Há decisões que não conseguimos explicar. Há escolhas que não conseguimos explicar. O problema relacionado com o que não se consegue explicar é a aura de mistério que parece rodear esse ou aquele momento. Conseguimos lidar muito melhor com o que nos parece lógico ou até óbvio. O que não nos parece possível é encaixar como resolvido um capítulo que nunca se explicou, que nunca nos foi entendível. O problema (ainda maior) é que, muitas vezes, não avançamos. Ficamos retidos numa fronteira entre um vazio e outro. Resta-nos, provavelmente, concluir que há vários momentos que nunca terão uma explicação. Há várias pessoas que se cruzaram connosco que vão permanecer um mistério indizível e invisível. Há decisões que vamos continuar a associar à frase: “aquilo não era eu. Não sei explicar”. Não faz mal. O mistério e a impossibilidade de encontrar explicações aumentam-nos a capacidade de pensar sobre o que nos acontece e sobre a forma como vamos, também, acontecendo.


Talvez valha a pena arriscar dizer que podemos entender o que não podemos explicar. Ou seja, podemos entender que há um universo de inexplicáveis à nossa volta. Ou talvez fique mais claro se eu resumir tudo numa frase bem pequenina.


Eu não consigo explicar. Mas entendo.


Tu não consegues explicar. Mas eu entendo-te.


Entendeste?!

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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