Diário de bordo: um dia na escola de Milevane, parte1
Acorda-se de manhã bem cedo. Não é possível perceber se o Sol já nasceu por detrás dos montes, se o galo acordou cedo ou tarde e se o carro que se ouve é o da irmã Rocio que sai às 4h30 para acordar os alunos internos que vivem nos lares, se do padre que vem celebrar missa às 5h30. Se for o padre é hora de acordar e o alarme toca a qualquer momento. Um banho de água fria rápido dizem que ajuda a formar carácter. Não sei ganhamos mais carácter, mas certamente lembramo-nos de dar o devido valor às coisas: a sorte que é ter água quente, o bom que sabe porque sentimos a sua falta, mas também que para um banho bem tomado não é preciso mais que uns minutos.
Depois do pequeno-almoço, com queijo feito por uma irmã na véspera com o leite das cabras e pão com doce caseiro, é altura de pegar na mochila e fazer o caminho de terra de 1 km até à escola, antes que toque. No caminho encontram-se os alunos do lar, alguns andam muito lentamente, tal é o sono ou a cultura, outros trazem a camisa de fora ou o cabelo despenteado pela falta de espelho ou de cuidado e outros acenam vivamente quando nos vêm. “Bom dia senhora professora”. “Bom dia, tudo bem”. “Bem, não sei como você está...”. “Eu estou muito bem, obrigada.” E a conversa pode ficar por ali e pode-se ir a andar os minutos que faltam num silêncio tímido, mas à vontade, de quem respeita outra cultura, o entusiasmo de se estar junto a alguém que é diferente e por isso fascinante, ou só o acordar mais lento de cada um. O nosso passo é mais rápido, corremos mais para as coisas, pela ânsia de as consumir ou pela vontade de ser responsável e chegar a horas.
Na escola é dia de concentração, a bandeira moçambicana é asteada e os alunos cantam o hino nacional, que
tem uma letra e uma melodia muito bonita e que facilmente se aprende. Dão-se os recados, mais importantes, dá-se na cabeça dos alunos porque não estão a estudar o suficiente, ou porque deitam as cábulas dos testes pela janela fora, sem ligar às regras básicas do civismo. Riem-se quando alguma das irmãs ridiculariza uma asneira ou sem querer se descai com uma piada.