Ninguém é anónimo

Saber o nome de alguém é começar a entrar no seu mistério. Não gostamos de escolher o nome do bebé quando ainda está na barriga da mãe? Deus pediu ao homem recém-criado que desse nome às criaturas e, na sabedoria bíblica, o que não tem nome não existe (Ecl 6, 10). Moisés insistiu que Deus lhe revelasse o seu nome para o anunciar ao povo (Ex 3, 13-14), e o monge de uma história oriental ficou atordoado quando, ao mesmo pedido, recebeu a resposta: “O meu nome é ‘Não-é-bastante’”. “Não ter nome”, com o sentido de “pertencer a família conhecida e ilustre” ou “ter fama”, ainda é motivo de exclusão em altas camadas da sociedade. Mas Deus conhece-nos pelo nosso nome!
 
Na parábola do rico que se banqueteava todos os dias, Jesus deu nome ao pobre coberto de chagas que jazia ao seu portão. É o único personagem das dezenas de parábolas recolhidas nos evangelhos que tem nome. Esse nome saltou para a realidade e, na Idade Média, tornou-se o padroeiro de leprosos e mendigos, edificando-se “lazaretos” para acolher desfavorecidos e doentes, vindo até a inspirar S. Vicente de Paulo na fundação da “ordem dos padres lazaristas”. Quem tem nome é o pobre, e não o rico. Este vive no seu castelo doirado, em excessos alimentares e fausto desmedido, completamente indiferente a quem está à sua porta. Não há explicação para a riqueza de um e a pobreza de outro. O que importa a Jesus é o hoje, que constrói o amanhã. O pecado mais grave é a indiferença, o viver endeusado em bens que parecem eternos, tratando como “não-seres” aqueles que precisam. A indiferença é muro contra a misericórdia. Por isso, à distância deste mundo corresponde, nas cores alegóricas da parábola, uma ainda maior na eternidade. Mesmo aí, o rico, já vendo Lázaro (e afinal, sabendo o seu nome!) quer servir-se dele, para lhe mitigar a sede ou ir prevenir os seus irmãos! Para quem é rico os outros só interessam como servos?
 
Custa muito, quando cuidamos de outra pessoa ou ajudamos alguém, a dor de não o libertar de todo o sofrimento. Desejamos milagres imediatos e visíveis e adiamos possibilidades de caminhar juntos. E por não conseguir tudo deixamos de fazer o possível. O desejo da omnipotência inatingível também é obstáculo à misericórdia. Há uma mútua necessidade sempre que ajudamos: “tu precisas da minha mão ou dos bens que partilho, e eu preciso que desenvolvas e cresças em todas as tuas capacidades”! Toda a ajuda que deixa a realidade na mesma, ou promove novas dependências pode “tranquilizar consciências”, mas é quase tão grave como a indiferença! Não será a autossuficiência, o não precisar de ninguém, a verdadeira pobreza, tornando-se verdade o dito de que “eram tão pobres, tão pobres, que só tinham dinheiro”?

E voltando à importância de todos termos nome, como é belo ler os doze nomes de Deus que o Salmo 146 oferece neste domingo. Neles se revela o “Deus em acção”, nunca indiferente nem passivo diante dos pobres e sofredores: a criar, a fazer justiça, a levantar, a alimentar, a curar, a amar. A “dar o exemplo”, para nos contagiar à luta contra a indiferença e a passividade. Conhecemos o nome de quem jaz ao portão do nosso coração?

Vítor Gonçalves

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