Há caminhos

DOMINGO XXIII COMUM Ano C
“Quem não toma a sua cruz para Me seguir,
não pode ser meu discípulo.”
Lc 14, 27
 
Verão rima com férias, e com ausência de horários; com viagens para alguns e com paragem para outros. Há sempre quem se tenha aventurado em caminhos desconhecidos e outros saboreado de modo diferente os habituais. Porque é importante lembrar que há caminhos por fora e outros por dentro! Deleito-me na palavra “caminho” com o encanto de terem sido chamados assim os primeiros cristãos: “os do Caminho!” (Act 9, 2; 19,9). E trauteio a canção-hino de Bob Dylan, de 1962 “How many roads must a man walk down / Before they call him a man?”

 

Ao longo de 10 capítulos do Evangelho de S. Lucas, Jesus está a caminho para Jerusalém (9, 51 – 19, 28). Caminha com os discípulos (não foi para “andarem com Ele” que os escolheu?) e, às vezes, com multidões. Caminha e detém-se, faz milagres e diz palavras decisivas, convida a segui-l’O e aponta o horizonte da paixão e da páscoa. Todo o caminho implica decisões: rasga-se o mundo ao meio em cada passo que se dá, avança-se e deixa-se para trás algo que se preteriu. A decisão por Jesus é o contrário de um "cristianismo-à-la-carte”, uma escolha das características agradáveis da sua mensagem e da sua vida, recusando o “amor até ao fim” que a cruz, no fim do caminho, vai revelar. “Tomar a cruz” não é apologia de um sofrimento masoquista, mas coragem de viver na doação de nós mesmos, assumir o “mais” que pode ser colocado em tudo o que somos e damos! Para grandes decisões, grandes reflexões. Assim pensam, e fazem, os dois personagens das parábolas que Jesus contou: o agricultor que desejava construir uma torre numa vinha e o rei que se preparava para uma guerra. Parece que estamos longe da audácia de outros apelos de Jesus, mas a irresponsabilidade e a presunção nunca levaram a bons fins. José António Pagola, um padre teólogo e biblista de San Sebastian, no seu comentário dominical chama-lhe “realismo responsável”. É tão simples que quase irrita: “Seria uma grave irresponsabilidade viver hoje como discípulos de Jesus, que não sabem o que querem, nem onde pretendem chegar, nem com que meios hão-de trabalhar.” Sentar-se para pensar, com outros que também pensam, para escolher juntos o caminho a seguir, é condição de caminhar bem. Como conhecer a realidade se cada um se fechar no seu ponto de vista? Como acolher o desafio das mudanças se as estratégias são as do passado?Parar para pensar e pensar em conjunto parece ser perda de tempo no frenesim dos dias. Sofrem as famílias, as instituições, e os governos. Sem pensar, sem tomar a cruz do realismo, em que há também muitos sinais pascais de vida e graça a acontecer, mas é urgente responsabilidade para o que é necessário mudar, pode haver agitação e movimento, mas não se faz caminho. Na atenção à realidade, por mais dolorosa que seja, encontram-se as sementes de passos novos e mais humanos. E sabe melhor caminhar juntos!


[Photographer Josiahwg]

Vítor Gonçalves

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