«Não foi para isto que me tornei frade!»

O que escrevo hoje é a reflexão feita a partir do desabafo de um grande amigo meu. Conhecemo-nos desde os tempos da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa. Ontem jantamos juntos, num ambiente de partilha típica de uma amizade que nos une para além da fé que comungamos. Já não o fazíamos à largos meses, desde que assumiu outras responsabilidades na sua Ordem Religiosa.
 
Ao longo da refeição, por diversas vezes ouvi dele o seguinte lamento: «Não foi para isto que me tornei frade!» E isto, refere-se a toda a gestão de estruturas e instituições confiadas a ele. O desgaste, as noites "em branco", as preocupações materiais para o dia seguinte... Pouco tempo para a oração e o encontro com Aquele que o chamou.
 
Percebo-o perfeitamente. Também eu, muitas vezes sinto o mesmo no que diz respeito à minha profissão. Quantas vezes já disse a amigos: «Não foi para isto que quis ser professor!» O professor perde autoridade, a burocracia é cada vez maior, "os alunos" são cada vez mais "umas aves raras e em extinção" protegidas por uma qualquer "associação verde" de valores, de respeito, de humanidade...
 
A grande diferença entre mim e o meu amigo é que eu refiro-me à minha profissão e ele à sua "forma" de vida. Uma opção de vida. Uma opção fundamental de vida e de entrega aos outros. Eles são cada vez menos e no entanto mantêm as mesmas instituições e estruturas. O trabalho aumentou para todos. Confessou-me que aspira a uma vida pobre e simples vivida no meio da gente. Tal como o seu fundador.
 
A crise profunda que muitas Ordens e Institutos de Vida Consagrada atravessam hoje, tem que ser considerada como um tempo de graça e de purificação. Uma ocasião preciosa para se interrogarem, para verificar a sua disponibilidade pessoal e comunitária, para verem se são capazes de viver de forma mais significativa e atual a própria vocação e espiritualidade específica de cada uma. Como que uma oportunidade de "ressuscitar" o carisma original, tentando "limpá-lo" de certas "incrustações" históricas. É preciso perceber quais são os novos desafios postos à Igreja e se a atual Vida Consagrada está predisposta a ser resposta, inspirados pelos fundadores e guiados pelo Espírito santo.
 
A crise que certas Congregações atravessam não põem em causa o valor da Vida Consagrada. Ela é dom de Deus. E Deus continua a chamar. Aliás, vemos "nascer" anualmente novas formas de consagração. Algumas a precisarem de uma certa regulamentação das entidades competentes da Santa Sé. São respostas aos novos problemas do ser humano de hoje que já não são os mesmos dos últimos séculos, ou apresentam-se em formas diferentes.
 
E, como escreve uma irmã conventual que sigo nas redes sociais: «Só Deus é eterno!»
 
Uma santa e esperançosa semana.

Paulo Victória

Cronista

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail