Do anúncio do sim de Maria, ao anúncio do não dos discípulos.

Está muito a acontecer no mundo. Mudanças são pedidas, quase exigidas, diante de tudo o que se sente. E hoje, a vida e a morte estão de mãos dadas como há muito não passava. Celebramos a Sexta-feira Santa a 25 de Março, dia solene da Anunciação do Senhor. Em mim provoca-me muita agitação. Não a considero apenas uma estranha coincidência, parece-me forte sinal do tempo a pedir transformação. Tanto há que morrer, como o orgulho, o poder desmedido, a falta de amor próprio e de consciência do outro para além do gosto pessoal, o desrespeito pela diferença, na cultura, na raça, no sexo, para dar espaço à escuta e ação do profundo sentido da Paz.
 
Gabriel anuncia a Maria a vida do príncipe da Paz. O corpo que se começa a formar no seu seio é de mudança. As palavras e gestos são para dignificar o oprimido, abrindo portas ao rejeitado e excluído. O mundo novo acontece, nesse despertar de amor que ganha corpo, com a ternura com que fala com as crianças e a força com que expulsa quem faz da casa do Pai um covil de ladrões. O templo já não é aqui ou ali, mas em cada coração que está disposto a deixar que todas as pedras se transformem em carne. É aí que paro na oração. Senhor, faz-me ver onde tenho as pedras que te quero atirar, estando tu em mim ou nalgum dos meus irmãos e irmãs, em especial, naqueles com quem tenho mais dificuldade em me relacionar ou perdoar até. Que a tua carne seja a minha carne, que se entrega em vida.
 
É nessa entrega que surge a Sexta-feira Santa. Este dia que rasga o véu, que faz tremer todos os alicerces da fé e do entendimento de Deus. Do anúncio do sim de Maria, ao anúncio do não dos discípulos. Também em mim dançam o sim e o não. É tempo de transformação. Hoje, a morte e a vida de Deus estão de mãos dadas. É tempo de silêncio para, mais que compreender, viver o muito a que somos chamados no caminho da Paz, de cada um de nós e no mundo, onde muito está a acontecer.

[Foto: Dylan Shaw]

Paulo Duarte, sj

Cronista

É em caminho. Nesses passos vai procurando e encontrando o Ser Humano. Às vezes perde-se. Tem dificuldade com as definições, pelo perigo de poderem ser demasiado redutoras. Já como jesuíta, licenciou-se em Filosofia (Braga) e em Teologia (Madrid), foi professor e começou a ter aulas de dança (mais em linha contemporânea). Continua em estudos (será que algum dia deixará de aprender?), mais precisamente no mestrado em Teologia Fundamental (Paris). Tem interesse no diálogo, mais precisamente entre a fé e a cultura e que as pessoas sejam. A partir de Julho 2014, além de tentar ser um bom diácono, tentará ser um bom padre. 

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail