«Queres ser feliz?»

Se puderes olhar para a tua vida, gostas do que vês? Nem sempre temos vontade de olhar para nós. Tornamo-nos estrangeiros dentro do país que somos. Somos o país que é a nossa alma e contentamo-nos com isso. Estabelecemos metas que não pretendemos alcançar. Pretendemos fingir que tentaremos. Sossegamos à sombra de um conforto a que chamamos felicidade. A felicidade ia rir-se de nós se nos lesse os pensamentos. Ia agarrar-se à barriga a rir. Ia desaparecer em gargalhadas. Então é isso que é ser feliz? Acordar todos os dias, fazer o que sempre se fez, dizer o que sempre se disse. É isso que é ser feliz? Que grande mentira a que nos contamos todos os dias. Ser feliz não é nada disso. Ser feliz é não saber onde acabamos. É não ter fim, não ter pressa, não ter nada. É apreciar profundamente essa maravilha que é não ter nada. Não te mintas. Não me venhas dizer que tens tudo o que te faz falta e que não precisas de mais um bocadinho de nada. Se pensas assim, inverte o sentido da marcha. Mas inverte agora. Porque ser feliz é nunca ter tudo. Ser feliz é querer ser tudo. É sentir que ter uma vida só é pouco para tudo o que se quer ser e fazer. Convencemo-nos dessa felicidade falsa que não existe em lado nenhum. É uma criança por nascer. Ainda nem sequer vem a caminho. Ser feliz é querer nascer outra vez, não ter medo da morte nem de nada. Ser feliz é sorrir a tudo, até mesmo ao que nos derruba. Calma. É sorrir a tudo mas sem aquele queixume tristonho de quem queria antes isto ou aquilo. Ser feliz é atrever-se. É arriscar. É largar tudo e esquecer tudo o que já foi dito. As pessoas fabricam-nos. Fabricam as nossas ideias, moldam as nossas fés. Esquece as palavras dos outros. Ouve as tuas. Ouve-te a ti. Consegues? Põe a mão à frente da boca que é o mundo e cala-o de uma vez. Manda o mundo dar uma curva. Foge dele a sete pés. Vai à tua procura. Somos profundamente míopes de nós. Andamos mergulhados numa cegueira turva de nós mesmos. Vivemos para os outros. Para agradar. Esquece os outros. Quando chegar a hora, baterão em retirada e quando olhares à volta sobras tu. Aprende a amar-te como se disso dependesse tudo. Se não te amares não vale a pena amar ninguém. E depois de estares olhos nos olhos com aquilo que és, vais ter vontade de engolir em seco. És capaz até de ficar sem ar. Perder o chão. É esse o momento. É esse o instante mais importante da tua vida. No dia em que conseguires fazer a pergunta, chora. E no dia em que aceitares responder-lhe, respira fundo e prepara-te. Não vai haver volta. E sabes que mais? Ainda bem.

 

Agora é a tua vez,

“Queres ser feliz?”

Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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