Ópio do povo

A religião, ópio do povo. Porque a quem sofria dores, humilhações, doenças, escravidão, prometia uma recompensa na vida após a morte. Na transformação a que estamos a assistir, pode ocorrer o contrário. O verdadeiro ópio do povo é crer no nada após a morte. Dá um conforto enorme a ideia de que pelas nossas infâmias, ofensas, velhacarias e assassinatos não seremos julgados.
 
Apesar de ter sido premiado com o Nobel em 1980, Czeslaw Milosz, escritor polaco, nascido em 1911 na Lituânia e que até à sua morte, em 2004, viveu sobretudo nos EUA, não é um autor muito conhecido. É de uma sua recolha de pensamentos que extraí aquela consideração cortante.
 
Diferentemente da religião «ópio dos povos», como dizia o velho Marx, ópio é a ilusão «disseminada a mãos largas pelo consumismo e pela imortalidade contemporânea» que não deve haver juízo sobre as nossas ações. Esta condição de impunidade é uma espécie de droga que obscurece a consciência e deixa a mão livre para qualquer ação, mesmo a mais cruel e vergonhosa.
 
É verdade que a religião não é só a do juízo; mas não seria mal se se voltasse a realçar o Decálogo, se se reafirmassem as fronteiras entre bem e mal, se se falasse ainda da justiça divina.
 
O escritor italiano Antonio Baldini dizia que a religião oferece sempre um grande conforto. Mas ela é também e sobretudo compromisso severo, inquietude da alma, coerência exigente.

 

[Card. Gianfranco Ravasi | "Avvenire" ]

Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

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