Padre João Vila Chã: «O Papa veio dizer que Fátima não é um acidente»

Fátima 14 maio 2017  •  Tempo de Leitura: 9

Em entrevista ao Diário de Notícias, João Vila Chã, padre jesuíta e professor de Filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, sublinha a mensagem de "ternura" deixada em Fátima pelo Papa Francisco. Confessa ainda o orgulho pelos quatro anos de Sumo Pontífice de um membro da mesma ordem a que pertence.

O Papa Francisco tem sido muitas vezes comparado a João Paulo II. Porque se faz essa associação se existem diferenças tão evidentes?

Acho interessante a comparação entre Francisco e João Paulo II. Na verdade, a comparação, que de resto aceito sem grande dificuldade, é mesmo surpreendente. Antes de mais, porque o estilo e a proveniência de cada um deles é bem diversa; depois, porque são personalidades bem distintas, homens formados por espiritualidades diferentes; enfim, porque João Paulo II vinha de uma Europa profundamente ferida e marcada pelas terríveis consequências dos movimentos totalitários que no século XX transformaram o nosso continente num cenário apocalíptico de violência, sofrimento e morte, ao passo que o Papa Francisco vem da longínqua Argentina, ou seja, de uma América Latina que para muitos, no século XX, foi declarada o continente da esperança. Mas as semelhanças são muitas. De facto, elas são agora cada vez maiores: nas pegadas de São João Paulo II, Papa Francisco diz ao mundo todo, a todos sem exceção, que a mensagem de Jesus Cristo, e por consequência da Igreja, é vida e é amor; tal como o Papa que veio da Polónia, o Papa Francisco é alguém que instintivamente sabe ler o coração das pessoas, sabe dar a quem tem por diante uma palavra sempre percebida como certa, sempre medianeira de Cristo, sempre convidativa à alegria e à esperança.

Há um lado marcadamente humanista em ambos? Bento XVI também tinha essa vertente mas não o mesmo efeito carismático sobre as pessoas...

Tanto João Paulo II como o Papa Francisco são homens com uma profunda e rigorosa formação humanística (...) Sendo em meu entender de realçar o facto de o Papa Francisco, de resto tal como o seu antecessor, se ter dedicado ao estudo e ao ensino da literatura. Pessoalmente, não me restam dúvidas de que todos os grandes papas que temos tido, e agora refiro-me também a papas como Paulo VI, João Paulo I e, certamente, Bento XVI foram homens de uma profunda formação intelectual, embora não todos necessariamente ao mesmo nível. Penso que dos três papas mais recentes aquele que, embora talvez o mais profundo do ponto de vista teológico, mais dificuldade tinha em comunicar, desde logo por causa da sua inconfundível timidez, era Bento XVI. O Papa Francisco, de resto como João Paulo II, ainda que num estilo completamente distinto, é um comunicador nato, um homem que facilmente se descentra no outro.

Pequenos gestos, como a decisão de residir na Casa de Santa Marta, em vez do apartamento no Palácio Apostólico, ou de abrir uma lavandaria gratuita para pobres, no Vaticano, ajudaram a consolidar esta imagem de Francisco como um Papa próximo das pessoas?

A imagem que se tem de um líder é sempre indissociável dos gestos que o líder faz ou assume. Os factos que menciona são reais, embora nem de longe os mais importantes deste pontificado. Mas eles são reveladores do carácter ou, se quiser, da política de quem os faz.

É paradoxal que um Papa, relutante ao início, assumidamente tímido e pouco dado a honrarias, seja tão popular? Ou é precisamente devido a essas características que as pessoas se sentem próximas dele?

Precisamente porque é assim tão desprendido de si e das honras do poder, da honra ou da glória é que o povo de Deus e a humanidade no seu todo reconhecem no Papa Francisco um verdadeiro exemplo de humanidade, a autêntica grandeza de um líder, a sua formidável exemplaridade.

Sendo um jesuíta, um sul-americano, trouxe à Igreja Católica uma forma de atuar que esta não tinha ou que pelo menos não praticava há muito?

Os jesuítas têm certamente um estilo muito próprio quando se trata de dar corpo ao manifesto cristão, ou seja, às exigências, ou imperativos, do Evangelho de Jesus Cristo. Ser jesuíta é ser formado na escola dos exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola e, com isso, na escola do discernimento. Penso que grande parte da novidade que o Papa Francisco traz à Igreja tem que ver com o seu modo de viver de forma séria e profunda, a dinâmica e as exigências do discernimento da vontade de Deus à luz do Espírito Santo e das realidades concretas da história em cada momento que faz parte da vida, tanto na sua dimensão social como pessoal.

Como padre jesuíta, o que significa para si ver um membro desta ordem a liderar a Igreja Católica?

Em março de 2013, ao ver o fumo branco e o anúncio de que o cardeal Jorge Mario Bergoglio era o novo Papa, o sucessor de Bento XVI, por momentos fiquei confuso e perplexo; depois cresceu em mim a serenidade e a confiança. Hoje, depois de quatro anos de pontificado, não posso senão exultar na consistência, na coerência, na seriedade com que o Papa Francisco está a levar por diante a sua missão de pastor e guia do povo de Deus espalhado pelo mundo. Uma verdadeira e inconfundível alegria.

Fátima tem para os fiéis uma dimensão muito importante de esperança para os pobres e para os doentes. Existe também a dimensão da humildade nas peregrinações, muitas vezes feitas parcialmente de joelhos pelos fiéis. Acredita que esta é uma dimensão de humildade e de fé na qual o Papa se revê particularmente?

Francisco, desde que deu início ao seu processo de formação na Companhia de Jesus, como jesuíta, mas depois sobretudo como padre e como bispo, sempre teve e manteve uma atitude de saída ao encontro dos mais pobres e dos mais vulneráveis. A pobreza nunca foi na sua boca uma palavra apenas vã; a pobreza e o sofrimento dos outros para o padre Jorge Mario Bergoglio, nomeadamente como reitor do Colégio Máximo em São Miguel, nos arredores de Buenos Aires, sempre foram uma realidade bem presente, um fator de discernimento, uma motivação de serviço e de missão. O Papa Francisco, realmente, tem os pobres no coração. Mas isso não é só de agora; de facto, esse é um traço do seu carácter sacerdotal, da sua identidade como bispo e cardeal ainda antes de ser quem é, ou seja, o Sumo Pontífice da Igreja Católica.

Que aspetos marcaram esta visita a Portugal do Papa Francisco?

Em primeiro lugar, há que tomar a devida nota de a visita ter sido a Fátima. O Papa veio como peregrino, na sua missão de pastor universal da Igreja, motivado por dois aspetos muito significativos: a comemoração dos 100 anos das aparições de 1917 e a canonização de Francisco e Jacinta. O que é verdadeiramente significativo nesta visita é que o Papa Francisco veio dizer à Igreja e ao mundo que Fátima não é um acidente, não é uma coisa de pouca importância. Na mensagem desta manhã [ontem], veio recordar-nos de que a fé cristã não é separável da vivência humana, da dedicação aos outros, da construção de um mundo melhor, mais justo, mais fraterno, mais marcado pela misericórdia e pela ternura - que é atributo de Deus - do que pela violência e pela competição de interesses que marcam muitas vezes o mundo por estes dias.

 

Pedro Sousa Tavares]

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