Conto: O rafeiro do bosque

Conto 17 outubro 2017  •  Tempo de Leitura: 5

Era uma vez um cachorrinho que fora abandonado numa lixeira junto a um bosque. Quem por ali passava olhava com indiferença e ninguém se atrevia a levá-lo para casa. Não se percebia bem a sua raça e ele não se enquadrava propriamente naquele tipo de cão que se poderia considerar bonito e fofo.

 

Ao frio e ao calor, o rafeiro sentia-se triste, foi-se acostumando a procurar comida nos sacos que as pessoas depositavam ali e abrigava-se num latão que encontrara por entre os arbustos. Tinha medo das pessoas e escondia-se sempre que via ou ouvia alguém. Foi crescendo a tentar sobreviver à fome e à sede, às agruras do tempo e às aproximações suspeitas de outros animais.

 

Um dia, espicaçado pela curiosidade e para quebrar a monotonia habitual do quotidiano, decidiu ir pela rua fora em direção à cidade. Estava perplexo com a barulheira que embrulhava o casario e pasmado com a velocidade dos carros e a algazarra das pessoas.

 

Mais embasbacado ficou ao ver cães de todas as cores e feitios, acompanhando os donos. Apesar de estarem presos por trelas, pareciam muito satisfeitos. Brincavam, corriam e estavam todos limpinhos e bem cheirosos.

 

O rafeiro não sabia bem o que pensar. Apesar de se sentir mais livre do que os cães que vira, sentia-se prostrado por não ser como eles e por não ter amigos e decidiu regressar ao bosque. Pelo caminho, lamentava a pouca sorte que tivera ao ter sido deixado na lixeira do bosque quando era pequenino e não poder ter o afeto que os outros cães tinham. Apetecia-lhe morrer e sentia que a sua vida não tinha piada alguma.

 

Enquanto falava com os seus botões, ouviu alguém a gritar. Levantou as orelhas e, como o alarido vinha do rio que rasgava o bosque, correu para lá. Deu-se conta de que um rapaz estava a afogar-se e, num impulso inexplicável, desceu a ribanceira e atirou-se às águas revoltas do rio para tentar fazer alguma coisa.

 

Com os seus dentes, agarrou com toda a força na camisola do rapaz para que se mantivesse à superfície e puxou-o com arrojo para a margem. Depois, foi procurar alguém que pudesse ajudar e, ao encontrar uma senhora que por aquelas bandas passava, ladrou insistentemente e arrastou-a pela saia para o rio para que se desse conta do sucedido.

 

A senhora boquiaberta com o comportamento do cão, rapidamente se apercebeu do que se passara e telefonou para os bombeiros. Surpreendentemente, o rafeiro foi atrás da ambulância e ficou à porta do hospital como que à espera de saber notícias da pessoa que salvara da morte.

 

No dia seguinte, quando o rapaz saiu, contaram-lhe o que o cão fizera e como ali ficara toda a noite. Movido por uma enorme compaixão e gratidão, ajoelhou-se e abraçou-o. Pela primeira vez, o cão fora acariciado e abanou o rabo agradecido, lambendo as mãos do rapaz. O rapaz foi para casa e o rafeiro regressou ao bosque.

 

O rapaz sentia-se comovido porque parecia que a vida lhe tinha dado uma nova oportunidade através de um cão e, enquanto falava com os seus botões, lembrou-se que há uns anos atrás um cãozinho aparecera à porta de sua casa e o pai, que não gostava de cães e o achara feio, fora levá-lo ao bosque. Era mesmo parecido. Aliás, só podia ser ele.

 

Então, o rapaz foi ao bosque, procurou o rafeiro e levou-o para casa. O pai do rapaz reconheceu imediatamente o cão. Não conseguia acreditar. Estava sem palavras e com lágrimas nos olhos. Aquele cachorro que não quis acolher em sua casa e fora abandonado por si foi quem lhe salvara o filho de morte certa. Finalmente, o cão sentia-se desejado e tinha um lar. Convencidos de que nada acontecia por acaso e que aquele cão era um sinal, decidiram fazer um canil no quintal para recolher os cães que encontrassem abandonados.

 

O rapaz, procurando um nome para o cão, descobriu um que significava ‘presente de Deus’. Então, sensibilizado com a sua história e agradecido a Deus pela sua vida, chamou ‘Mateus’ ao rafeiro do bosque.

Paulo Costa

Conto

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