Conto: As tartarugas da praia

Conto 15 janeiro 2019  •  Tempo de Leitura: 5

Era uma vez um velho homem que todos os dias ia ver o pôr do sol à praia. Despedir-se do sol que se esconde no horizonte era a melhor maneira de terminar o dia e dar as boas vindas à noite. Sentado na areia, pensava na vida, enquanto contemplava serenamente o oceano imenso e escutava as melodias das ondas e do vento.

 

Num dos costumeiros entardeceres em que o sol pintava de laranja o céu, chamou-lhe a atenção alguma coisa de grandes dimensões que a maré empurrava para a costa no fundo da praia, junto a meia dúzia de palmeiras que se debruçavam sobre o areal e quase beijavam o mar.

 

Cheio de curiosidade, aproximou-se para ver o que se tratava e depressa se deu conta que era uma tartaruga que ficara presa numa rede de pesca e que, de forma persistente e aflitiva, tentava libertar-se sem sucesso.

 

Sem pensar duas vezes, o velhote tirou um canivete do bolso e cuidadosamente cortou o pedaço de rede de algum barco de pesca que ficara preso à tartaruga. Ela torcia-se toda com receio da ameaça que poderia constituir-se o homem que a agarrava. Contudo, à medida que ia sentido a menor pressão das cordas da rede, foi ficando mais tranquila e oferecendo menos resistência.

 

Rapidamente o velho homem percebeu tratar-se de uma tartaruga marinha que habitualmente habitava os mares mais quentes. Sabia que a maioria das espécies de tartarugas marinhas eram migratórias e vagueavam pelos oceanos com o auxílio do campo magnético terrestre.

 

O velhote teve pena do pobre animal, até porque tinha consciência de que asobrevivência das tartarugas-marinhas estava em risco, após muitos anos de caça intensiva pela sua carapaça, carne e gordura. Media quase um metro de comprimento e podia ter à vontade uns cem quilos. Apresentava uma carapaça castanha avermelhada, a cor da pele era entre o amarelo e o castanho e devia ter-se aproximado da costa por ser uma fêmea a querer desovar.

 

O homem há muito tempo que não via por aquelas bandas tartarugas-marinhas e ficou feliz por ter salvo a vida a uma. Sempre admirara a calma, serenidade, mansidão e paciência que pareciam revelar, ao invés de tantos animais e pessoas que passavam o seu dia-a-dia a correr de um lado para o outro, de forma agitada, ansiosa, inquieta e tensa. Também as agruras e dificuldades da vida lhe tinham oferecido uma carapaça capaz de enfrentar as maiores adversidades e tribulações e agora preferia o silêncio e a meditação.

 

O homem sabia que asfêmeas, após atingirem a maturidade, regressavam habitualmente à praia onde tinham nascido para nidificar e que não enterravam os seus ovos noutros sítios. Então, decidiu estar atento durante os dias seguintes para ver o que sucedia. A verdade é que durante dois dias a tartaruga nadou serenamente junto à costa e, de vez em quando, palmilhava o areal lenta e firmemente e sempre atenta a eventuais perigos.

 

Ao terceiro dia, o velhote percebeu que algo de especial estava para acontecer. A tartaruga saiu lentamente das águas enquanto anoitecia e a areia já não estava tão quente e, após preparar o terreno, fez um buraco, depositou quase uma centena de ovos e voltou para o mar.

 

Após ter salvo a tartaruga, o velho homem não quis deixar de estar perto dos seus filhotes e decidiu construir uma cabana de madeira nas redondezas para defender dia e noite o ninho de potenciais ameaças. Tinha consciência de que a tartaruga-marinha era uma espécie em vias de extinção e que pouquíssimos filhotes conseguiam atingir a maturidade.

 

Passados uns dois meses, o homem testemunhou o mais extraordinário espetáculo da natureza. O milagre da vida voltara a acontecer. Para que os filhotes tivessem mais hipóteses de chegar à água em segurança, os ovos da tartaruga eclodiram à noite e rapidamente as inúmeras tartaruguinhas se dirigiram para o mar como se algo ou alguém muito especial as chamasse.

 

O velhote sentia-se a pessoa mais feliz do mundo por ter conseguido salvar a tartaruga das redes de pesca e por ter impedido que os predadores naturais ou até algumas pessoas fizessem mal às tartaruguinhas, tão frágeis e vulneráveis que eram. A vida do velho homem tinha adquirido novo sentido e ganho novo entusiasmo e rezava para voltar a receber a visita da tartaruga que ajudara e ainda conseguir ver alguma daquelas tartaruguinhas a vir desovar na sua praia.

Paulo Costa

Conto

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